O beabá do 25 de novembro e a direita

O aproveitamento simbólico, pela direita e pela extrema-direita, do 25 de novembro de 1975, a data que de alguma forma fechou a fase mais dinâmica do processo revolucionário de 1974-75, só pode ser suscitado pela ignorância da história, por puro oportunismo, ou, mais provavelmente, por ambas as coisas. Por ignorância porque nem sabem, ou nem querem saber, que os vencedores dos acontecimentos que tiveram lugar nessa data foram, do ponto de vista político, os setores moderados do MFA e o Partido Socialista. Por oportunismo porque tudo lhes serve para, no seu cinquentenário, minimizarem o significado e o impacto dos 25 de Abril, que na verdade desvalorizam, quando não odeiam visceralmente e desde há muito. Vão, desta forma, celebrar, como data sua, um acontecimento para o qual não meteram prego nem estopa. Dele se aproveitando agora, após cinquenta anos a ganharem coragem para o fazer.

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    Sectarismo, fanatismo e combate cultural

    O tema desta crónica ganha relevância nos tempos que correm, quando os dois grandes campos do combate político global dos últimos dois séculos, o da democracia e o do autoritarismo, se defrontam como não se via desde o final da Segunda Guerra Mundial. Como formas próprios de relacionamento de cada indivíduo com os seus semelhantes, o sectarismo e o fanatismo expandem-se como flagelos que cruzam a história e, no mundo atual, tendem a toldar a lucidez e a reforçar os projetos que sustentam ou preparam tiranias. Para serem contrariados, importa observar como funcionam, mas também de que modo se instalam no nosso dia a dia e no universo do combate político. 

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      Pensar, agir, mobilizar

      A par das múltiplas tentativas de análise que tentam interpretar a vitória da direita e da extrema-direita populistas nas eleições norte-americanas, a opinião política tem também procurado olhar os novos e ainda mais preocupantes dilemas que a partir de agora se colocam à Europa, ao mundo e, de uma forma geral, à vida das democracias. Todavia, tendo em conta a catástrofe ocorrida e as condições nas quais ela se deu, começa a ser cada vez mais urgente, seja onde for, e por cá também, mais do que queixumes e previsões do apocalipse, o projetar de olhares plurais e cuidados sobre o modo como as forças da democracia e do progresso devem encarar a sua atividade próxima futura. Perante o inimigo colossal que representam as múltiplas forças autoritárias e imperiais, e as formas por estas utilizadas para escravizar os povos e as consciências das pessoas comuns, cada vez é mais importante pensar estratégias de aproximação política, agir no crucial campo da cultura e mobilizar alternativas realistas.

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        E agora, América? (cinco notas soltas)

        1 – O que aconteceu ontem, dia 5 de novembro de 2024 – fixemos a data, pois ela será marcante e traumática – nas eleições presidenciais dos Estados Unidos da América, foi bem além daquilo que a generalidade dos observadores e comentadores tinham previsto. A vitória de Donald Trump não foi sequer tangencial, contrariando a generalidade das sondagens e das expetativas de quem, dentro e fora da nação fundadora da democracia moderna, jamais previu pelo menos uma folga destas. Ela coloca aos norte-americanos, e também a todo o planeta, problemas associados ao que se antevê ser uma viragem abrupta no entendimento da democracia liberal, no equilíbrio entre os Estados, nas dinâmicas da cidadania e na vida das pessoas comuns.

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          Israel, os EUA e os problemas de visão

          É totalmente incompreensível alguém coerente e simultaneamente democrata e de esquerda não preferir, nas eleições presidenciais nos EUA deste dia 5, que Kamala Harris derrote Trump apenas porque ela não tem a posição sobre Israel e a Palestina que gostariam que tivesse (e eu também provavelmente gostaria). Vamos ser claros: Kamala, na senda de Joe Biden, não tem uma posição coerente e clara sobre o tema, condenando abertamente Israel e afirmando claramente que defende a independência da Palestina. Mas mostra uma abertura ao diálogo sobre o mesmo, e uma condenação formal da política de genocídio, que Trump, já apoiado formalmente por Netanyahu, de todo exclui, preferindo estar do lado dos falcões israelitas. Além disso, torna-se evidente que, se a candidata democrata exibisse uma posição inflexível de imediata rutura com Tel Aviv, nem precisaria ir a votos, pois seria esmagada nas urnas pelos eleitores. Custa muito compreendê-lo? Fazer política com alcance e visão jamais é mover peças num simples tabuleiro de jogo de damas.

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            Não se desculpa, nem se ignora

            Reparei há dias, a acompanhar uma fotografia que circulou profusamente e mostrava a real dimensão, pequena de cerca de cem pessoas, da manifestação em favor de uma abstrata «defesa da polícia» convocada pelo Chega junto do parlamento, num comentário quase eufórico a proclamar «afinal são tão poucos!». Esquece quem o fez, esquecemos muitos de nós quando observamos estas aparentes demonstrações de insignificância, que uma das caraterísticas da extrema-direita é ser alimentada, em boa parte, por gente com medo de tudo, cheia de rancor por isto ou por aquilo, habituada a calar e a levar, sempre pela penumbra, a água ao seu moinho egoísta. Gente que não dá o rosto ou se manifesta.

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              A América também é aqui

              Há cerca de vinte anos, quando passei a ter nas aulas muitos estudantes brasileiros, reparei no grande desconforto que sentiam de cada vez que me referia aos Estados Unidos apenas como «a América». É um velho hábito europeu que ecoa um costume dos norte-americanos, transformando a palavra em conceito gerador de uma identidade transversal a ambos os lados do Atlântico. Como surgiu referido, em sentidos diversos vinculados a esse referente único, em Mon oncle d’Amérique, o filme de Alain Resnais, na canção pessimista This is not America, de David Bowie e Pat Metheny, ou sobretudo em God Bless America, o conhecido hino composto em 1918 por Irving Berlin, usado pela propaganda patriótica americana durante e após a Segunda Guerra Mundial. 

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                O Chega na fronteira do crime

                Para além das divergências políticas e ideológicas que, entre nós, o separam dos restantes partidos, sejam os de esquerda ou os da direita – embora os últimos ensaiem algumas aproximações oportunistas -, o Chega, maior partido da extrema-direita portuguesa, possui duas marcas que claramente o separam das demais forças políticas. A primeira consiste na defesa declarada e sem máscara do racismo, da xenofobia, do Estado autoritário, da homofobia, da nostalgia do Império e dos valores da ditadura derrubada a 25 de Abril. Inclui também a defesa da violência social contra minorias, pobres não-obedientes e imigrantes, e a rejeição da democracia, usada apenas em proveito próprio.

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                  Má educação e ar puro

                  Começou por acontecer com alguns jornalistas que me contactavam para pedir informações relacionadas com certos temas ou situações. Em regra, se estivesse ao meu alcance e não violasse princípios de ética dos quais não abdico, prontamente respondia. Por vezes, informava que não tinha forma de responder, disponibilizando-me no entanto para outra altura. Na larga e crescente maioria dos casos, nem um obrigado. Depois, começou a ocorrer com colegas organizadores de eventos ou publicações académicas, que perguntavam se estava disponível para colaborar. Quando não podia mesmo, ou não me interessava, ou não me considerava a pessoa certa, dava conta da impossibilidade, sempre de forma educada e cordial, agradecendo e ficando ao dispor. Uma palavra de apreço pela resposta, nem vê-la. Tornou-se um hábito, num universo ainda há não muitos anos maioritariamente pautado pela afabilidade e a ajuda mútua, o império do interesse imediato determinado pela «carreira» sobre o valor da relação pessoal. Face a esta feia e tristonha realidade, há anos que comecei a fazer uma lista negra de pessoas que passaram por este crivo, a quem por certo não mais responderei positivamente. Tenho bastante cuidado com a pureza do ar que respiro.

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                    Ainda a necessidade e o perigo das vanguardas

                    A palavra vanguarda é usada no vocabulário comum como metáfora de origem militar que alude ao destacamento especial dos exércitos destinado, durante as campanhas, a seguir muito à sua frente, tendo por objetivo reconhecer os caminhos que deveriam percorrer, observar melhor as forças do inimigo e realizar pequenas incursões destinadas a feri-lo ou a testá-lo. Atualmente a designação é associada a indivíduos, a experiências e a movimentos que, nos planos vivencial, estético, filosófico ou político, se mostram bem à frente das sociedades de onde emergem, propondo, ensaiando e materializando vias e dimensões caraterizadas pela ousadia, pela raridade e pelo pioneirismo.

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                      O partido da triste figura

                      Tenho escutado isto menos, mas durante décadas o Partido Ecologista Os Verdes foi entre nós sistematicamente apelidado de partido-melancia. Como esta, verde por fora e vermelho por dentro. Na verdade, tratou-se sempre, praticamente desde a sua fundação em 1982, e mais acentuadamente nos últimos anos, de um agrupamento satélite criatura do PCP, com a utilidade prática de agregar uns poucos votos de pessoas sensíveis à temática ecologista – pessoas com dificuldade em reparar que existem partidos, como o Livre, o PAN ou mesmo o BE, mais consequentes e ativos neste domínio – e sobretudo de justificar a formação de uma frente eleitoral designada «unitária», colocando nos boletins eleitorais, ao lado da foice e do martelo, um belíssimo girassol estilizado.

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                        O 7 de outubro

                        A 7 de outubro, quando se comemora o primeiro dia da era judaica, iniciada a 3761 AEC, completou-se um ano sobre o ataque do Hamas, lançado principalmente sobre alguns kibbutzim próximos da faixa de Gaza, aldeias comuns limítrofes e um festival de música para jovens, dele resultando de imediato o assassinato de cerca de mil israelitas, o rapto de perto de 250, muitos idosos e crianças, a violação de dezenas de mulheres, e um grande número de civis feridos. Teresa de Sousa chama-lhe «o maior massacre de judeus desde o Holocausto».

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                          Embuste e menosprezo do saber contra a democracia 

                          Apesar dos seus riscos e defeitos, uso com regularidade as redes sociais. São múltiplos os motivos: manter um contacto regular com algumas pessoas, divulgar ou saber de iniciativas, difundir artigos de opinião, saber de livros, séries e filmes, chegar na hora a notícias importantes, conhecer mais e de uma forma mais plural, e sobretudo tomar o pulso ao mundo em perpétua e rápida mudança. Elas podem ainda aproximar-nos de universos novos ou que geralmente desconhecemos. Por isso, digo a quem não as utiliza ou as abandonou, devido sobretudo ao excessivo ruído e à ocasional violência, que fazem mal e talvez delas não se tenham servido de um modo eficaz e necessariamente seletivo. 

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                            O beijo na face como pecado venial 

                            Pertenço à geração que recuperou, naturalizou e tomou como sua a prática convivial do beijo na face, fazendo dela uma forma habitual e partilhada de saudação ou uma expressão de amizade. Apesar de, devido aos interditos impostos por um padrão de masculinidade, dominante no ocidente, fora da família ele se mantivesse muito menos comum entre os homens, a partir dos anos sessenta do século XX passou a representar uma conquista no processo em aberto de aproximação entre corpos que anteriormente pouco se tocavam em público ou o faziam de uma forma por regra cerimonial. Associado à nova cultura urbana e libertária triunfante no pós-Segunda Guerra Mundial, o beijo na face, como também o uso mais público daquele dado na boca, transformou-se num emblema de informalidade democrática.

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                              Os incêndios, os incendiários e as televisões

                              Por razões sobretudo pessoais sou muito sensível ao drama anual dos incêndios florestais de verão. Nascido e criado na «Zona do Pinhal Interior Norte» – área que inclui 14 concelhos dos distritos de Coimbra e Leiria – recordo desde sempre o panorama regular destas calamidades e o medo que elas provocavam. Aconteceu mesmo, por duas vezes, ajudar no combate ao fogo, tendo numa delas chegado, juntamente com um pequeno grupo de populares, a ficar cercado pelas chamas. Uma memória inesquecível, como o é também a de exaustão absoluta, que nunca mais voltei a sentir, sentida após dois dias e duas noites sem dormir a combater o fogo.

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                                Por Olivença, «marchar, marchar»?

                                Há bastantes anos, conheci um rapaz que durante algum tempo insistiu em que eu me inscrevesse como fiel «Amigo de Olivença». Isto é, que me tornasse militante da causa dos que pretendem repor a soberania portuguesa e alentejana sobre aquela cidade raiana da Estremadura espanhola. Apesar de reconhecer a legitimidade do retorno de um território que, após a assinatura pela Espanha, em 1817, do tratado de Viena, esta reconheceu como português, não me pareceu causa sequer longinquamente prioritária, pelo que recusei aquela aproximação, passando até a referir privadamente o episódio como piada.

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                                  O mito das criancinhas e Trump

                                  Ao longo de décadas, um dos mais utilizados mitos usados por governos e partidos de orientação anticomunista foi a divulgação – a par de lendas sobre imaginárias injeções letais atrás da orelha impostas aos idosos – de que sob os regimes controlados pelos comunistas estes, por mera perversão, «comiam criancinhas ao pequeno almoço». A influência do mito foi tão forte e de tal modo transversal que ainda por volta de 1977 estive em debates em aulas onde alunos universitários, meus colegas à época, defendiam a veracidade desta ideia mirabolante.

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                                    Excesso de presente e usos da história

                                    O historiador François Hartog chamou «presentismo» a uma forma de encarar o tempo que desvaloriza o passado e despreza o futuro como dimensões da experiência humana, valorizando apenas o presente. Para quem a assume, esquece-se o que ficou para trás e apagam-se as utopias abertas ao futuro, visto como mera repetição da realidade atual, instalando-se a descrença na hipótese de mudanças substantivas. Resta então o presente como modo de orientação no tempo, tomando-se o anteriormente vivido como uma névoa ou uma sombra, e encarando-se o que virá sem réstia de esperança. Os «presentistas» habitam, pois, um eterno presente, que julgam o único lugar do possível. Uma perceção que não cai do céu, mas resulta da conjugação de cinco fatores. 

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