Evitar o suicídio da esquerda nas autárquicas

Rui Tavares defendeu que «a reflexão à esquerda sobre os resultados destas eleições deve ser uma reflexão grande, mas não pode ser uma reflexão longa». A ideia de que pode ser longa «é errada e perigosa» porque as autárquicas estão próximas e o Chega pode ficar em primeiro lugar em dezenas de concelhos. A esquerda tem, pois, que «acordar, abrir os olhos e despertar», propondo listas progressistas onde os eleitores possam votar.

Não poderia estar mais de acordo com esta ideia. Devem ser urgentemente preparadas listas unitárias, equilibradas e capazes às autárquicas, mesmo onde já tinham sido decididas escolhas em sentido contrário. Julgo ser difícil ter dúvidas de que, neste momento, o partidarismo sectário será inevitavelmente suicidário para a esquerda. Para toda ela. E quem o não rejeitar com clareza será política e historicamente responsabilizado por isso.

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    O pior que se pode fazer

    O pior que podem fazer as pessoas que irão agora, necessariamente, procurar reerguer os partidos da esquerda estrondosamente derrotados nas legislativas, é, em vez de se voltarem para a realidade das pessoas comuns e para os equilíbrios do mundo atual, para uma análise de comportamentos repetidos e para a revisão dos dogmas, para a abordagem crítica de certas escolhas, discursos e comportamentos, preferirem agitar bandeiras enquanto apontam inimigos externos ou dentro do seu próprio campo, preocuparem-se mais com a sua própria justificação do que com os seus erros, refugiando-se na conjuntura como explicação para quase tudo. Em tantos anos de combate político já vivi demasiado para não experimentar este receio. Por isso sei que a capacidade crítica, a humildade e a lucidez serão agora fundamentais. E muita coragem também, obviamente.

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      Notas curtas sobre as legislativas

      Algumas notas curtas (e também críticas) sobre o pesado terramoto das legislativas. Noto aqui que, apesar de ser membro do Livre, elas são totalmente pessoais, só a mim comprometendo. Olho principalmente para os partidos de esquerda (PS, Livre, PCP, BE e PAN), aqueles que verdadeiramente me interessam, e que, reunidos, apenas obtiveram 34% dos votos. Ou seja, a percentagem mais baixa em democracia.

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        A história não se repete, mas precisa ser lembrada

        Ao contrário do que no século de Oitocentos defendiam os historiadores positivistas, e que foi mantido depois pelos seus imitadores, a história – tomada aqui como forma de conhecimento do passado, guardando-se a História com maiúscula para aludir à sucessão do tempo – jamais é inteiramente objetiva. Depende sempre, em larga medida, de quem a escreve, do momento em que é escrita, das condições em que isto acontece, da perspetiva escolhida em cada abordagem, das múltiplas fontes documentais utilizadas, da perspetiva temática que persegue, e ainda da forma como é ou não sujeita ao confronto da prova e ao crivo da crítica, também estas em constante renovação. Depende ainda dos seus diferentes usos, podendo manipular e ser manipulada, ou então, bem diversamente, ser fator de compreensão do mundo e de emancipação.

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          A força do voto perdido

          Lamento ter de ser cru e objetivo, mas em certos momentos a realidade deve sobrepor-se à fantasia. Para um grande número de eleitores a insistência nas ilegalidades e na ausência de ética do primeiro-ministro são irrelevantes, pois consideram-nas prova de uma «chico-espertice» que encaram como qualidade e gostariam de replicar nas suas vidas. Aliás, é esta atitude que tem eleito e reeleito muitos autarcas, enquadrados na conhecida categoria popular do «rouba, mas faz». Também pouco importa a estas pessoas a baixa qualidade e o perfil rasca, ou mesmo criminoso, de tantos militantes do Chega, pois é por isso mesmo que os encaram como seus representantes.

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            Porque voto no Livre?

            A vida da democracia de modo algum se esgota no sistema representativo e nas eleições para os seus órgãos. Precisa ser praticada e ampliada todos os dias e em todos os espaços, não se limitando, por isso, ao ato de eleger. Todavia, e apesar das suas imperfeições, este permanece essencial como modo de aferição das escolhas políticas de cidadãos e cidadãs, e forma de escolher os rostos que dão corpo à soberania. Onde não existem eleições, ou onde elas são manipuladas, não existe democracia, mas fraudes que favorecem a tirania. Por este motivo, e também porque não o fazer é abdicar de ter voz própria, é imprescindível votar, ainda que quem o faz possa não se rever plenamente em qualquer das escolhas presentes no boletim de voto.

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              Contra o abuso do «voto útil»

              Em tempo de campanha para as eleições legislativas, escutamos de novo apelos ao «voto útil», normalmente realizados pelos partidos que sabem poder vir a governar e entendem que precisam de uma maioria exclusiva para o poderem fazer. Na verdade, este apelo, assente na lógica do «mal menor», desfigura a democracia, tendendo a enfraquecer os restantes partidos, no nosso sistema eleitoral já muitíssimo prejudicados pela inexistência de um círculo nacional a juntar aos demais. Sem este, aliás, ocorre sempre uma perda muito significativa de votos de eleitores, deste modo não representados no parlamento.

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                Uma lição da história

                A capitulação formal da Alemanha no final da Segunda Guerra Mundial ocorreu a 8 de maio de 1945. Há precisamente oitenta anos. Foi conseguida nas complexas circunstâncias e com os elevadíssimos custos que se conhecem, mas nunca será excessivo lembrar que tal só foi possível devido à colaboração de todas as diferentes (e necessariamente contraditórias) forças antifascistas. Talvez seja uma boa lição para os dias de hoje.

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                  Combate cultural contra o novo fascismo

                  O fascismo original, a par das sua articulação com o mal mais absoluto, apoiava-se numa proposta filosófica, alimentava uma visão do mundo, idealizava um projeto de sociedade. Daí a importância que atribuía à ideologia e à cultura – fosse a das elites ou a que definia como «popular» – ancoradas num saber clássico e manipuladas em função desses objetivos. Muitos artistas e numerosos intelectuais ajudaram a alimentar esse processo. Daí também o papel que os fascismos conferiam à leitura, ao cinema, ao teatro, às artes, ao pensamento, à arquitetura, à especulação política como experiências coletivas. O contemporâneo abomina e combate tudo isto, pois funda-se apenas na ignorância, no ódio, no egoísmo e na ausência de perspetiva, projetadas pelo poder dos média, pelas redes sociais e pela condescendência das democracias. Por isso, contra ele, contra eles, o combate a travar precisa ser também cultural, não apenas político.

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                    Apagão, boatos, medos e coragem

                    A falha elétrica de 28 de abril, que afetou toda a Península Ibérica, produziu ondas de choque de grande impacto. Motivos, detalhes, responsabilidades e dimensões do incidente encontram-se por esclarecer de forma completa, mas os efeitos práticos foram percetíveis no imediato. Começou por desaparecer o sinal das redes de telemóvel e da Internet, e logo de seguida tudo sucedeu em catadupa: iluminação desligada, aparelhos elétricos inoperantes, elevadores bloqueados, semáforos sem funcionarem, transportes caóticos, caixas multibanco inativas, cafés e restaurantes a menos de meio gás, com tudo o que isto implica na alteração radical das formas de vida, da atividade produtiva, dos sistemas de segurança, dos cuidados de saúde e das necessidades humanas básicas.

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                      A liberdade não tem dono

                      Mais em umas que em outras, mas em diferentes manifestações de rua do 25 de Abril foi visível a tentativa, por parte de uma força política, de se tentar apropriar dos desfiles, das suas palavras de ordem, das suas canções, até da sua organização, desdobrando-se por lugares vários e diferentes entidades nos desfiles. Também tem procurado apropriar-se da sua história e da sua memória, que muitas vezes se esforça até por reescrever. Acontece há décadas, mas quanto mais essa força se torna realmente mais frágil e perde expressão eleitoral – infelizmente, a meu ver, mas sobretudo por culpa própria -.mais a tendência se acentua. Porém, a liberdade, no seu sentido amplo e plural, não tem dono, é de todos e de todas, salvo dos fascistas, seus inimigos jurados. Por isso, nela cabem também os que continuam a insistir nesse triste papel. Que desaparecerá de cena um dia que há-de chegar.

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                        A extrema-direita entre o mantra e a lengalenga

                        O mantra é uma fala monocórdica e repetitiva, em regra recitada ou cantada de forma ritual por seguidores do budismo e do hinduísmo. A sua harmonia pode incluir qualquer som, sílaba, palavra ou frase, desde que estes detenham um poder próprio, visando estimular o propósito sagrado de quem o pronuncia. O termo vem do sânscrito, significando «controlo da mente», sendo isto obtido num processo de concentração da consciência que essa repetição em boa parte impulsiona. Do seu lado, a dimensão ritualizada do mantra confere-lhe uma aura de sagrado, enquanto retira a quem o pronuncia a necessidade de procurar palavras próprias, usando então, de um modo mecânico, apenas aquelas que sucedem de geração em geração. Em português usamos um termo, lengalenga, com significado parcialmente análogo. Aplica-se a narrativas ou falas extensas, fastidiosas e expectáveis, de diferentes géneros, que se movem em círculo, numa cantilena que nada contém de novo e se faz ecoar a si própria.

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                          Neste tempo que vivemos

                          Ao longo de mais de duzentos anos, as consignas da Revolução Francesa no seu combate contra o Antigo Regime, traduzidas na afirmação gradual dos grandes princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, materializaram, apesar das suas limitações e contradições, apesar também da sabotagem dos seus agressivos inimigos, um horizonte de felicidade terrena para o qual todas as propostas progressistas deveriam apontar. Como aconteceu com as ideias de verdade, de justiça, de compaixão, de honestidade, de confiança, de equilíbrio, de ética ou de paz. Todas de igual modo discutíveis e contraditórias, mas todas identicamente inscritas numa ideia de humanidade tendencialmente voltada para um futuro melhor. Vivemos agora o tempo da sua negação, e nele, salvo para os indiferentes e os tolos, as manhãs são sem sol e de pesadelo. É preciso, todavia, reconstruir a esperança para não regressarmos ao negro estado de barbárie e de opressão. E, a cada dia, para o conseguirmos, importa bater a realidade para reunir forças. 

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                            A «paz podre» e a desfiguração do drama ucraniano

                            Ao conversar com quem conhece bem a realidade da Ucrânia e do leste europeu, tenho sido confrontado com a sua surpresa sobre a contradição entre a forma como setores da esquerda portuguesa encaram o regime de Kiev, a guerra e o caminho para a paz, e o modo como o faz a maioria da esquerda ucraniana. Não consideram na comparação os grupos e indivíduos nostálgicos da União Soviética e da Europa pré-1989 – desde logo o Partido Comunista, banido logo em 1991 e de novo em 2015, o Partido Progressista Socialista, proibido em 2022, após a invasão de fevereiro, e pequenas forças interditas em 2024 –, colaborantes da agressão russa e separatistas, mas numerosas personalidades de orientação socialista, libertária, feminista e verde, e, na mesma área, organizações como o Movimento Social e a Ação Direta, defensoras da resistência ativa a Moscovo. 

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                              Um 1º de abril que «já era»

                              Bem sabemos que a mentira, o erro e a deturpação sempre existiram. Pelo menos desde a invenção da escrita, provavelmente até antes dela. Mas atualmente alguns orgãos de comunicação sedentos de atenção, associados à realidade selvagem das redes sociais, estão de tal forma cheios deles que a própria ideia de verdade foi banalizada. Tudo pode ser «verdade», como tudo pode ser «mentira», sejam elas com ou sem aspas. Neste contexto, as patranhas do 1º de abril deixaram de o ser, pois parte da piada consistia em encontrar uma mentira de certo modo única. Não uma «inverdade» entre milhares.

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                                A ameaça do Bloco Central

                                Por certo muitos amigos terão reparado já nesta tendência, enquanto outros, mais distraídos ou desinteressados, não se terão apercebido. Está em pleno curso, em alguns jornais e televisões, a divulgação de opiniões, emitidas por vozes situadas na ala mais conservadora do Partido Socialista, no sentido de, em nome de uma vaga e sacralizada noção de «estabilidade» – e, sejamos claros, também de um desejo de partilha de influência -, sugerirem a realização pós-legislativas de um acordo legislativo e de governo entre o PS e o PSD.

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                                  Redes sociais, imagens e ignorância

                                  Uma das marcas do acesso, agora quase universal, ao uso das redes sociais, passa, sabemo-lo bem, pela inclusão de pessoas que, antes de elas existirem, jamais tiveram ou teriam a possibilidade de comunicar de forma pública e rápida. Não dispõem, por esse motivo, dos códigos básicos de civilidade que as formas de comunicação para um público vasto foram desenvolvendo. Têm ainda, em grande parte, um escasso lastro em termos de conhecimento, facilmente acreditando, por este motivo, tanto no que observam ou podem ler – como outrora acontecia com quem julgava certo e sagrado tudo o que estivesse em letra de imprensa -, como no que dão aos demais a ler e a ver. 

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                                    Dúvida

                                    Face ao ataque cerrado, feroz e sem precedentes a tudo o que sejam fatores de justiça social e igualdade, paz e entendimento na arena internacional, equilíbrio ambiental, defesa dos direitos humanos ou liberdade de expressão e até de circulação, a que assistimos todos os dias, algumas vezes multiplicado numa só jornada desde que a 20 de janeiro Donald Trump tomou posse como 47º presidente dos Estados Unidos da América, será que quem andava por aí a dizer que a governança republicana e as últimas democratas em pouco ou nada se distinguiam, referindo-se a Obama e a Biden apenas negativamente, ainda continua a dizer a mesma coisa? Conhecendo algumas dessas pessoas, e a sua enorme capacidade para contrariar a realidade diante das convicções, ou sequer para identificar o adversário mais perigoso, temo que sim. Se perante este banho constante de realidade catastrófica algumas reconhecerem o seu erro, já não será mau.

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