A Hora-A

Não tenho por Manuel Alegre uma admiração que vá para além daquela que ele me merece como cidadão com um passado de coragem cívica, e, no sentido dilatado do qualificativo, como homem de esquerda. Não o aprecio particularmente como poeta, apesar de reconhecer o valor simbólico ocupado pelas palavras de alguns dos seus poemas na disseminação de uma «cultura de oposição» ao regime derrubado em Abril. E não o considero por aí além como político com obra feita, apesar do recurso tonitruante da palavra, a que recorre, constar da minha memória individual das noites em que ouvia a Voz da Liberdade debitar pelas ondas hertzianas esperança e resistência. Nos últimos anos incomoda-me sobretudo a recorrente presunção de superioridade moral oferecida por um discurso demasiado datado e paternalista sobre Liberdade, Ética, Cultura, Pátria ou Democracia (assim mesmo, abusivamente pronunciados com maiúscula). Mas a verdade é que, perante as arengas vazias de humanidade, de emoção e de utopia dos amanuenses que nos têm governado, e face ao que Miguel Sousa Tavares qualifica hoje no Expresso como a ausência de «uma dimensão cultural e histórica exigível para o cargo que ocupa» comprovada por Cavaco, Alegre parece ser a escolha possível para ajudar a devolver a política à praça pública na qual, em Portugal, ela renasceu. A confirmar-se a candidatura (e a não existir mudança de projecto com o PS de Sócrates a exagerar o protagonismo, evidentemente), votarei em Alegre não porque o sinta como oráculo da Pátria, salvador do povo ou derradeiro avatar de D. Sebastião, mas porque o encaro como veículo para ajudar a exorcizar essa concepção puramente administrativista da política que nos tem subjugado. Já não será pouco.

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