O drama dos 33 trabalhadores da mina de ouro e cobre de San José, no deserto de Atacama, não pode esgotar-se no seu final feliz. Porque se encontra ligado às sempre difíceis condições de trabalho de uma das mais antigas ocupações operárias. Uma profissão cravada de enormes riscos, tremendamente insalubre, com duras cadências e geralmente muito mal paga, mas por isso mesmo marcada por um companheirismo profundo entre a generalidade dos que nela passam a maior parte da vida e dela fazem o seu ganha-pão. Aliás, o movimento operário sempre teve entre os mineiros uma das suas alas mais combativas, radicais e solidárias e não foi por acaso que uma das mais tocantes imagens que ontem passaram em algumas televisões foi a de dois mineiros australianos, homens maduros que já viveram um drama análogo ao dos chilenos e, durante um directo, foram incapazes de conter os soluços de comoção diante das experiências vividas pelos seus camaradas do outro lado do Pacífico.
Vale a pena, por isso, lembrar neste momento de alegria a situação catastrófica dos mineiros chineses, com índices de sinistralidade e de mortalidade – associados a condições de trabalho e salariais miseráveis – verdadeiramente inconcebíveis. Estudos recentes apontam para cerca de 1.000 (mil, não é engano) mortos por ano, correspondendo a 80% do número de fatalidades ocorridas em todo o mundo quando a produção mineira da China é apenas de 35% da global. Em 2006, e de acordo com os números oficiais, o número de mortos foi mesmo de 7.500. Um acidente praticamente em cada 7 dias, a maior parte sem referência nos meios de comunicação e nenhum deles com um décimo da atenção mediática dada ao acidente de San José. Será de recordar estes dados aos responsáveis do partido político português que calam os crimes diários praticados na China contra os trabalhadores mas se preocupam tanto com a atribuição do Nobel da Paz ao activista dos direitos humanos Liu Xiaobo. É que uma sua posição de denúncia, a ser feita na devida altura e sem rodeios, seria por certo um gesto internacionalista capaz de «contribuir para a afirmação dos valores da paz, da solidariedade e da amizade entre os povos». Passe a expressão que de há muito trataram de tornar inócua.