Saiu há dias no Público, em mais uma daquelas declarações de ódio que invariavelmente substanciam os artigos de opinião de Helena Matos, um arrazoado sobre a herança da «geração de 60» (entretanto publicado também aqui) ao qual estive para responder de imediato. Acabei por adiar a escrita porque fiquei à espera de ter o texto disponível online, e depois, à medida que o tempo passava, fui ganhando consciência de que o artigo é tão mau, tão mau, tão mau, e tão carente de um mínimo de coerência e de substância, que não justificava um esforço de enumeração, para não dizer de contestação, do rol de confusões e deformações que adianta. Este post não vai, por isso, dialogar com a crónica de Helena Matos.
Por múltiplos motivos, entre eles a ocorrência, não insignificante, de sendo historiador ter obrigatoriamente sentido crítico e treino analítico em relação ao reconhecimento e à interpretação do passado, não me move qualquer ideia de «defesa da honra» de uma «geração» com contornos muito mais amplos e densos do que o artigo procura fazer crer. Não gosto aliás do conceito: «geração» impõe em excesso unidade, identidade, onde existe principalmente movimento e diversidade. Mas qualquer pessoa informada e arguta sabe que todas as situações históricas são complexas e que devem ser compreendidas sob a perspectiva contextualizada dos factos e dos efeitos. Ora existe suficiente trabalho de investigação publicado – nacional e sobretudo internacionalmente, e nos mais diversos campos das humanidades e das ciências sociais – para podermos ter hoje uma perspectiva crítica bem mais completa e ponderada do que aquela, linear e simplória, cheia de erros, apreciações subjectivas e invenções, detectável na referida crónica.
No entanto, o facto de a perspectiva ser simplória não faz da autora uma ingénua, que obviamente não é. A ignorância e a distorção são enormes, como entretanto tem sido dito em comentários saídos na blogosfera – destaco o de Joana Lopes, onde se mostra como Helena Matos erra até o alvo em relação ao que congemina serem os «sessentistas» portugueses no activo –, mas o objectivo último, no qual aliás reincide, é claro e bem consciente: a abjuração do Estado-Providência e a defesa de que os projectos igualitaristas, que colocam a noção de felicidade e bem-estar à frente do princípio da competição de matriz neoliberal, devem ser atirados para o caixote do lixo da História. E de que as «gerações» mais recentes precisam pedir contas àqueles que, na estreita lógica da cronista, deram cabo do que restava desse «mundo ideal», supostamente perfeito e convenientemente ordenado, que os despenteados sixties vieram abalar. O que move Helena Matos é, pois, a adesão a uma agenda que, se quisermos usar a mesma bitola analítica pobre e de mão aberta da qual se serve, podemos afirmar ter sido impressa nos cinzentos anos 80.
Adenda – Este post contém uma percentagem de adjectivos bastante superior ao que seria estilisticamente conveniente. Mas saiu assim e os motivos serão óbvios.