O resto virá depois
Em artigo editado na semana passada pelo Público, Eduardo Lourenço escreveu que a Europa, como o Ocidente em geral, «já não faz revoluções». Ao contrário, «sofre-as, deixa-se surpreender por elas», arrastada por movimentos poderosos que não controla e tem dificuldade em compreender. A propensão do ensaísta para transformar certas hipóteses aparentes em verdades temporárias – desde Montaigne, como é sabido, a característica essencial do ensaio – conduz a afirmações como esta, com a qual podemos dialogar mas que não convém tomarmos à letra. Se falarmos das revoluções com um carácter total, absoluto, determinadas perfazer o círculo e a reconduzir a história ao quilómetro zero para produzirem um mundo radicalmente novo e supostamente melhor, a afirmação de Lourenço fará sentido. Mas tal já não acontece quando nos referirmos aquelas que resultam da insuportabilidade de uma situação ou da necessidade imperativa da sua ultrapassagem, transformada em estímulo para a insurreição.
Ora, como a história recente tem vindo a mostrar, estes momentos são não só imprevisíveis como impossíveis de cartografar por antecipação. Acontecem quando e onde parte significativa das sociedades compreende que deixou de ser possível suportar o insuportável, encontrando forças para jogar tudo na cartada da mudança. Sob esta perspectiva, quem poderá garantir que se eclodiram agora na Tunísia, no Egipto e na Líbia, se parecem estar a alastrar à maior parte dos países árabes, onde até há pouco tempo a generalidade dos analistas só via resignação e imobilismo, não possam também ocorrer aqui ao lado ou mesmo à nossa porta, dentro das nossas cidades? Como actos raros e ocasionais, nos quais a necessidade imperativa e a desrazão que esta provoca jogam um papel decisivo, as revoluções não caem do céu – nisso tinha razão Mao Tsé-Tung – mas também não se programam. (mais…)