Nas circunstâncias dramáticas que estamos a viver, torna-se necessária uma tentativa de concertação de estratégias que ponham em marcha a resistência à ditadura canibal dos mercados e à política de sonegação de uma vida decente para a esmagadora maioria dos cidadãos. Neste sentido, faz todo o sentido que o Bloco de Esquerda e o PCP se tenham reunido, e se venham até a encontrar mais vezes, para acertarem estratégias comuns. Em nome dos problemas reais, inadiáveis, que nos estão a cair aos pés e com os quais ambos os partidos se preocupam. Acordos pós-eleitorais podem, sem dúvida, ajudar a construir uma resistência mais forte e audível à piratagem que se aproxima das nossas costas, ajudando também, essa será sempre a esperança, a parte não malsã do PS a assumir uma atitude corajosa e anti-capitulacionista, empurrando o lixo aparelhístico para o vão de escada de onde jamais deveria ter saído. Nesta medida, parece-me exagerada a posição de votantes e até de militantes do Bloco a quem já ouvi dizer que preferem abster-se, ou mesmo votar PS, a darem qualquer aval a uma aliança com o PCP. Aquilo que tenho dito a estas pessoas é que não me parece que tal aliança seja crível, embora aproximações pontuais possam e devam acontecer.
Mas parece-me ainda mais absurda, para além de espantosamente cândida, a posição de algumas pessoas que defendem a todo o custo uma imediata aliança pré-eleitoral. Esta atitude resulta de uma atracção pelo vermelho ondulante – alguns chegam até a sugerir a inclusão na aliança de grupos ultraminoritários que são inimigos jurados da democracia parlamentarista e dos fantasmagóricos «verdes» – que tem algo de irracional. Quem pensa assim esquece-se de que a distância entre os dois partidos em causa não resulta de uma mera questão de estilo ou de «base de classe», mas antes de uma ruptura, longe de resolvida, para a qual contou, e continua a contar, o longo historial de agressividade e de desconfiança no terreno, de absurdo controleirismo, de anti-europeísmo, de subordinação a modelos totalitários e a estratégias do pensamento único que, década após década, e até com algum agravamento nos anos mais recentes, têm dominado o PCP. Além disso, esta sugestão de uma aliança pré-eleitoral esquece um aspecto fundamental: qualquer estratégia capaz de mobilizar a sociedade para a resistência e a alternativa carece de um programa claro e completo, apreensível e sustentável ao nível da opinião pública e da consciência dos eleitores, que não pode ser alegremente escrito, em meia dúzia de semanas, sobre a base instável de uma «unidade» frágil e ilusória.
Vamos por isso por partes: encontrar estratégias de resistência, discutir alternativas, peneirar impurezas, ultrapassar desconfianças e preparar ao mesmo tempo o futuro. Combater, sem dúvida, pela construção de uma alternativa assente em objectivos unitários e inequivocamente democráticos. Com a consciência de que ela não nascerá sem dor, sem jogo de braço e cintura, e sem que o tempo, o tal «grande escultor» do qual falava Madame Yourcenar, cumpra o seu sempre imprescindível papel. De outra forma estar-se-á a cair num logro e a criar um monstro. E, aí sim, a empurrar mais e mais pessoas para uma posição derrotista e de indiferença, muitas das vezes traduzida no aval eleitoral, mais um, entregue em mão aos mágicos do voto útil.