A «incidência contributiva»
segundo o Xerife de Nottingham

No mito de Robin dos Bosques o Xerife de Nottingham era o executante local das exações fiscais determinadas pelo príncipe João, o usurpador do trono do bom mas desaparecido rei Ricardo. Como sabemos que os mitos são sempre uma representação formal de atitudes humanas consagradas pela repetição, não é difícil encontrar, muitos séculos depois do seu desaparecimento, pequenos e médios xerifes que são fiéis continuadores da pura maldade aplicada em nome de quem manda «porque pode».

Falo apenas de ilegalidades praticadas arbitrariamente pelos executantes do Estado. Por exemplo, da forma como, recentemente, numerosos contribuintes portugueses foram forçados a aguentar as consequências de execuções fiscais e a pagar coimas por uma ausência de pagamento de impostos devidos da qual não haviam sido previamente informados. Simplificando: não se avisa um bom número de pessoas que está devedor e assim, através do pagamento da inevitável multa, aumentam-se exponencialmente as receitas do Estado. Presumo que tal comportamento valha, aos xerifes espertalhaços que o conceberam e aplicaram, uma merecida comenda. Ou, no mínimo, um louvor.

Outro caso, que me ia rebentando agora mesmo nas mãos, ainda é mais perverso. Todos os trabalhadores independentes, emissores de «recibos verdes», estão a ser notificados pelo Instituto de Segurança Social do dever de pagarem a sua contribuição para a segurança social segundo parâmetros que são enviados em circular a cada um deles. Quem já desconta por ser trabalhador por conta de outrem – do Estado, por exemplo – está isento. Mas atenção (e aqui entra em campo o xerife de Nottingham): a partir de agora terá de pagar na mesma se não enviar no devido tempo para a Segurança Social, anualmente (e o prazo deste ano está quase a fechar), um comprovativo da sua condição de isento pelo facto de… pagar já para outra entidade. E como deduziu a SS a importância que cada um de nós deverá pagar? Acedendo aos documentos do IRS do contribuinte, em cujo processo consta já a referência… aos descontos para a Segurança. Cruzou a informação? Sim, cruzou, mas apenas para identificar o que há a pagar, não para confirmar que já pagou.

Existe uma forma de evitar o pagamento em duplicado da Segurança? Existe, sem dúvida, como me foi indicado pela simpática funcionária com quem conversei esta manhã no dialeto «contribuês» destinado a fazer passar o cidadão pagador por parvo. Fazendo então de Robin dos Bosques, indico qual a solução para evitar problemas mais graves. Veja-se o requinte do processo:

Vai à página web: www2.seg-social.pt Do lado direito, existe um menu a correr (e se, como eu, o leitor odiar menus a correr, percebe logo o impacto desta perfomance visual). Espera então que passe, com letras minúsculas, a seguinte frase “Notificação dos Trabalhadores Independentes” (tem 4 segundos para clicar nela). Nessa altura abre-se uma página com informações sobre a referida “Notificação”. Desce até ao fundo da nova página e aí, com letra quase microscópica, encontra um link para uma “Minuta de Reclamação”. Imprime e preenche a minuta, juntando-lhe uma cópia de um boletim de vencimento ou outro documento no qual conste a referência ao pagamento que faz a outra instância da segurança. Por fim, vai entregar estes dois documentos à Delegação mais próxima da Segurança Social (se não fosse 8 de Dezembro poderia fazê-lo já amanhã, depois de horas de trabalho perdidas na respetiva fila…). Ou então envia tudo, por correio – aconselho que o faça com aviso de receção – para a mesma delegação.

Com toda a certeza que o aprendiz de Xerife que inventou isto irá também para a lista das promoções. Ou talvez receba um louvor por escrito. Quanto a nós, pobres moradores das franjas da floresta de Sherwood, o melhor é emboscar-nos, aguardando o próximo golpe de mão dos sicários do príncipe João.

Nota complementar – Entretanto, durante o dia 8 (feriado), foi colocado na página do Instituto de Segurança Social um aviso mencionando a existência de incorreções no envio da informação aqui referida aos trabalhadores independentes que já descontam por outra via, prometendo um contacto para esclarecer a situação. Aguardemos pois. Mas mais vale prevenir…

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