Passam 70 anos sobre a saída do primeiro livrinho da série Os Cinco, da autora britânica de literatura infanto-juvenil Enid Blyton. Para sucessivas gerações, entre elas a minha, terão sido os volumes desta série os primeiros livros «a sério», de texto corrido, a serem lidos. Ou melhor, devorados. Desde logo os livros em si, contendo enredos repletos de cenários misteriosos, embora todos eles a uma segura distância de casa, e de aventuras «crepitantes», que apesar de tudo encheriam de tédio os fãs, já um pouco mais velhos, de Sandokan. Mas devoradas também eram as refeições que se seguiam à leitura: depois de tanto passarem à frente dos pequenos olhos descrições absorventes de lanches e de piqueniques repletos de sanduíches de carnes frias com mostarda ou manteiga de amendoim, de cremosos gelados de baunilha, de compotas de laranja ou frutos silvestres, de deliciosos biscoitos de manteiga e grandes jarras de limonada (ou de garrafas térmicas com um tépido e reconfortante chá), ficava-se inevitavelmente com uma fome dos diabos.
Em 1942, com Os Cinco na Ilha do Tesouro, começaram pois a chegar à leitura sucessivas vagas de crianças fascinadas com as incríveis peripécias de Júlio (Jules), Ana (Anne), David (Dick), do cão Tim (Timmy), e, esta ficou para o fim pois foi sempre a minha personagem favorita, da Zé (Georgina), que pensava e se movia pelos outros todos. «Chamam-lhe ‘Zé’? – perguntou a Ana, surpreendida. – É nome de rapaz. – Tens razão – disse a tia. – Mas a Zé detesta ser rapariga e chamamos-lhe Zé, como se fosse um rapaz.» Linhas perturbadoras para quem saiba o que, na época do Estado Novo, significava designar alguém, depreciativamente, como uma «maria-rapaz». A sequela do Clube dos Sete já a apanhei noutra fase, mas ainda deu para perceber que a excitação, e na aparência o empenho da autora, já não pareciam bem os mesmos. Vivi por isso esta nova leitura como uma decepção. É, no entanto, provável que quem tenha chegado então a Enid Blyton considere este julgamento um perfeito disparate. E que tenha razão. A minha Blyton, porém, é a dos septuagenários Cinco. A quem agora até se procura dar a beber o elixir da eterna juventude.