Como no amor, aconteceram, na história da literatura, das artes ou da filosofia, desencontros que poderiam ter sido belos encontros. Possíveis que se revelaram impossíveis. Karl Marx e Charles Darwin tiveram uma reunião prevista, marcada por um amigo comum, mas esta acabaria por não acontecer. Soljenitsine e Nabokov falharam por muito pouco uma prometida conversa. E nos anos quarenta Orwell marcou um encontro com Camus em Saint-Germain-des-Prés, mas como este se atrasou um pouco, aborreceu-se e foi-se embora. Conhecendo o percurso de ambos, as causas que partilharam, as marcas que deixaram, aquele poderia ter sido o princípio de um belo entendimento.
As suas vidas tiveram, de facto, muito em comum. Ambos lutaram contra o fascismo, Orwell em Espanha e Camus na Resistência francesa. Ambos sofreram de tuberculose e morreram cedo, aos 47, em janeiro, se bem que com a diferença de uma década. Mais importante: os dois permaneceram intérpretes de uma esquerda democrática e independente, combatendo o totalitarismo em todas as suas formas e sofrendo por isso o isolamento e a derrisão por parte de alguma intelligentsia ainda fascinada então pela propaganda soviética. O Homem Revoltado (1951), de Camus, é, aliás, um ensaio que parece encapsular posições e pontos de vista de Orwell. A diferença mais notável acabou por se centrar nos géneros literários que cada um deles praticou.
No entanto, onde jamais se teriam entendido nesse hipotético encontro seria ao conversarem sobre futebol. É que, se Orwell chegou a escrever que já existem «suficientes motivos de conflito» entre as pessoas comuns, não precisando nós, portanto, «de lhes juntar mais um, incentivando alguns jovens a darem caneladas uns aos outros, por entre os urros dos espetadores em fúria», Camus, antigo guarda-redes de primeiro plano no futebol da sua Argélia natal, pensava rigorosamente o contrário. Insistiu aliás, por diversas vezes, em que devia «seguramente ao futebol» tudo aquilo que aprendera sobre a essência do sentido ético e do compromisso humano. Por causa dele iriam provavelmente discutir e talvez a hipotética amizade acabasse logo ali, antes de começar.
| reposição; publicado inicialmente em 22/4/2012