A decisão do governo brasileiro no sentido de diferir por três anos a aplicação do último Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, faz-me voltar ao tema. Tal como escrevi noutros dois posts – reunidos num só – não me interessa entrar aqui (ou ali) em pequenas guerras e grandes exaltações a propósito do assunto. Tenho procurado tratá-lo de uma forma muito prática e, na verdade, a única coisa que neste caso uma vez ou outra me tem tirado do sério é o uso de falsos argumentos, ou de poses «caturras», na defesa das posições mais rigidamente imobilistas. Na realidade, se alguma coisa tinha entendido já, muitos anos antes da situação ser criada e da polémica surgir, foi que a língua é um grande barco transatlântico cuja essência, e razão de ser como veículo de comunicação, é tão rígida quanto móvel. Pelo que me toca, posso dizer que passei por quatro fases neste processo: a primeira de alguma desconfiança em relação à mudança, a segunda de observação daquilo que esta anunciava, a terceira de adoção crítica (condicionada em boa parte por imperativos profissionais), e a quarta de integração, compreendendo rapidamente, apesar de ter passado mais de meio século a escrever com regras diferentes, que algumas das novas normas até «naturalizam» mais os modos da fala e da escrita, embora outras, em menor quantidade, de facto os perturbem também.
O que se torna verdadeiramente intolerável é sentir agora, como o sente a generalidade dos portugueses que têm consciência dos efeitos da situação, que vivemos em relação a tudo isto numa espécie de país paralelo, no qual o assunto não se põe, nunca se pôs e, na aparência, jamais se porá. É que perante esta decisão de Dilma Rousseff, o ruído mediático que todo este assunto tem levantado, o bruá dos protestos e dos abaixo-assinados, as decisões administrativas que apontam para o pró e para o contra, a indecisão de muitos pais e educadores sobre que regras aplicar na educação das crianças, o desinteresse pelo modo como as opções que forem feitas, ou não o forem, serve ou não para aproximar os e as que falam a língua única e mesma que é a nossa, perante tudo isto, a posição do governo em exercício é nenhuma. Um silêncio total, sem língua que lhe valha. Deixando-nos assim com a voz e a escrita em posição de pausa, como se o falar e o escrever e o ler não fossem tão importantes, ou mesmo mais importantes, e são-no para muitos de nós, do que o ato de contar, somar e subtrair. Por mim, estou até aberto a entrar numa quinta fase na vivência de todo este processo, regredindo, se necessário for, até ao português vicentino. Mas não me decido já porque tudo pode mudar de novo logo de seguida e no sentido contrário, deixando-nos a falar em contramão. Atinem e digam lá alguma coisa de coerente a propósito, se fazem favor. Quanto mais não seja para escrevermos em português de lei as palavras fortes, a tinta, com as quais vos haveis de defender e vos havemos de derrubar.