Gilles Lipovetsky é um dos filósofos, críticos da superação hedonista e individualista da modernidade, mas ao mesmo tempo adversários de um coletivismo historicista que constrange a liberdade, cuja obra mais cedo e de forma mais substancial foi traduzida em Portugal. A Era do Vazio, saída em 1983, indiciava já aquela que, sob diferentes formas, será mantida como a sua interrogação maior, a saber: perante as contingências de uma época na qual deixou de existir a noção de finalidade histórica, como olhar o fenómeno inverso de em nada crer, por nada se bater, pois tudo é efémero? Em A Sociedade da Deceção (Edições 70), pequeno livro resultante de uma entrevista concedida a Bertrand Richard em 2006 e agora traduzido, Lipovetsky aborda os malefícios morais produzidos por essa «sociedade da abundância» que tende a depreciar, a esvaziar, o valor de todas as coisas, conduzindo à ideia de que nada, nem mesmo o sentimento de posse de determinados bens, a todo o instante substituídos por outros, vale realmente a pena. Nestas condições, prevê um aumento do mal-estar, mas pensa que o consumismo capitalista acabará por se cansar de si mesmo, invertendo a marcha rumo a uma cultura necessariamente mais sóbria e mais humana. Capaz de produzir os seus próprios anticorpos, entre estes o papel do voluntariado, um ecologismo responsável, a ideia de comércio justo e de desenvolvimento sustentável, e até a capacidade crítica induzida pelas redes sociais. Associado à errância das convicções, o mercado conseguiu alterar valores e estados de espírito, mas não comercializá-los de todo. Para Lipovetsky é, pois, possível o levantar de uma democracia pós-consumista. (Gilles Lipovetsky, A Sociedade da Deceção. Trad. Luis Filipe Sarmento. Edições 70. 114 págs.)