A invasão da Ucrânia tem deixado claro que entre nós apenas o PCP e um grupo de pessoas que influencia não rejeitam declaradamente a decisão de Putin. Todavia, quem paute a realidade pelo que se pode ver nas redes sociais fica com uma perspetiva diferente. A este propósito, vale a pena lembrar que durante décadas, em espacial a partir do final da Segunda Guerra Mundial, os partidos comunistas que atuavam dentro das democracias representativas detiveram uma influência sempre bastante superior ao seu real peso eleitoral. Depois do 25 de Abril, em Portugal essa situação também se verificou, em particular depois de 1991, quando o PCP desceu abaixo dos dois dígitos. E mesmo hoje, quando já apenas representa 5% do eleitorado, a sua voz continua a ter um eco muito superior ao peso político e social efetivo. O que se repete na atual situação.
Existem razões para que esta contradição persista. Apesar do pequeno apoio eleitoral, o partido mantém um importante lugar no domínio do protesto social e da intervenção pública, em especial nos campos sindical e autárquico, e conserva uma forte capacidade organizativa, com um genuíno e desinteressado empenho quotidiano da generalidade dos seus militantes, não comparável com o de qualquer outro partido. Outra razão para que a visibilidade se sobreponha ao apoio reside – e é ela que mais importa neste caso – na intensa atividade do partido no campo das organizações culturais e no da informação. No segundo caso, depois de anos de desinteresse pelo território do digital, em especial através de sítios da Internet e das redes sociais, onde a sua intensa militância agora também tem lugar.
É isto que faz com que as suas escolhas pareçam ter muito maior impacto do que aquele que realmente recolhe, acabando, por vezes, por perturbar quem, discordando delas, se encontre pessoalmente próximo e, por isso, inevitavelmente se sinta pressionado. Ainda há pouco tempo aconteceu com o conflito na Síria, e volta agora a acontecer com a invasão da Ucrânia pelas tropas da Rússia. A lógica de combate repete-se: uma intensa barragem de declarações e de opiniões, em sites como o AbrilAbril, apresentado como «o outro lado das notícias», e as redes Sputnik e Russia Today, ou no Facebook e no Twitter, usando informação muitas vezes manipulada ou de origem duvidosa, mostrada como a única verdadeira, e ignorando ou desvalorizando aquela que chega do terreno através dos testemunhos de especialistas, de jornalistas independentes e de cidadãos comuns. Definindo ainda ataques sistemáticos, muitas vezes pessoais, a quem, perante essa barragem, procure esclarecer uma verdade que não querem escutar.
Para esses setores, «a verdade a que temos direito» – como anunciava em slogan o quotidiano Diário, publicado em Portugal entre 1976 e 1990 – é apenas a sua, aquela que querem que todos partilhem, muitas vezes, demasiadas vezes, não aquela que a realidade em movimento e uma reflexão atenta determinam. Tenho observado, neste contexto de guerra, homens e mulheres perturbados por serem bombardeados com contrainformação maciça vinda da parte de pessoas ou coletivos próximos desta área, que muitas vezes prezam e respeitam. A minha sugestão é que procurem informar-se e não se deixem amedrontar pela barragem de «factos» e de análises muitas vezes deturpados e parciais, sabendo que, como o azeite, tarde ou cedo a verdade acabará por vir ao de cima.
Rui Bebiano