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Reconhecimento da Palestina por Portugal

É um caso ao qual se aplica a expressão popular «mais vale tarde do que nunca». O governo português, apesar de visivelmente contrariado, cedeu à pressão e reconheceu o Estado palestiniano, sendo o 13º país da União Europeia a fazê-lo. Como aconteceu com outros países, este reconhecimento está vinculado à iniciativa da Autoridade Palestiniana e não do Hamas, o que me parece justo, em primeiro lugar para o próprio povo palestiniano. Todavia, e sendo absolutamente favorável à solução de dois Estados pacíficos para a região, e completamente avesso à ideia absurda e antissemita do apagamento de Israel do mapa, não me parece nada bom que, na declaração formal agora assinada, a condenação da política agressiva e genocida do atual governo israelita para Gaza não seja mais claramente vincada.
[Originalmente no Facebook]

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    Tudo ao contrário na educação

    Começo com parte de um importante post de alerta publicado no seu mural do Facebook por Paulo Marques:

    «Recentemente, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, de visita a uma escola, numa aula, disse a alunos do 12.º ano que “quem anda em manifestações perde a aura”. Não se trata de uma frase inocente, nem de um simples deslize retórico. É uma mensagem política e, diria, perigosa.

    “Aura” é uma palavra carregada de simbolismo. Sugere prestígio, distinção, brilho pessoal. O que o ministro transmitiu àqueles jovens foi claro: quem protesta, quem se envolve, quem ocupa o espaço público para reclamar justiça, perde reputação, mancha a sua imagem, arrisca o futuro.

    Mas não é exatamente o contrário? Se hoje temos direitos fundamentais, do voto universal à liberdade sindical, da escola pública ao Serviço Nacional de Saúde, foi porque milhares de pessoas saíram à rua, arriscaram empregos, enfrentaram repressão, desafiaram a ordem estabelecida.»

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      Generalizações tóxicas e discurso eleitoralista

      A tendência para referir determinados grupos sociais utilizando uma generalização que dilui as suas diferenças internas e salienta apenas aquilo que num determinado contexto lhes é apontado como comum, é uma prática tão antiga quanto a existência humana registada. Desde a criação da escrita na Suméria, a evocação pública dos protagonistas da história, fosse esta a dos poderosos ou a dos povos, sempre deu voz a esse processo de filtragem da realidade que dilui as efetivas diferenças e contradições. Neste sentido, é vulgar falar-se como de um todo do «povo», dos «portugueses», dos «europeus», dos «trabalhadores», dos «estudantes», dos «árabes» ou dos «ciganos», qualificando cada grupo como bloco possuidor de um carácter comum, muitas vezes apresentado como estereótipo que reforça a separação entre um «nós» e um «eles». 

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        Uma sondagem que nos confronta

        Saiu nesta sexta-feira, 12 de setembro, a primeira sondagem, do Barómetro DN/Aximage, que coloca a extrema-direita parlamentar à frente nas intenções de voto em eventuais eleições legislativas. Segundo os resultados divulgados, o Chega teria 26,8% dos votos, seguindo-se a AD (25,9%) e o PS (23,6%). De seguida viria o Livre (6,5%), que ultrapassa a Iniciativa Liberal (6,2%). Por fim surgiriam o PCP/CDU (3,1%), o Bloco de Esquerda (2,4%) e o PAN (1,7%). Pode dizer-se que se trata apenas de um indicador, mas é sem dúvida um indicador muito preocupante e que não pode deixar de ser tido em linha de conta.

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          O necessário direito ao silêncio

          Com o arranque e a expansão da «era industrial» passámos, sobretudo nos países e regiões que a levaram mais longe, a viver um tempo pautado pela omnipresença do ruído. Este traduz uma sobrecarga de estímulos sonoros não naturais, associados a uma agitação e a um ritmo acelerado da vida coletiva, tendente a fazer recuar os grandes espaços de silêncio que, salvo em situações excecionais – como em festas, guerras ou espetáculos ocasionais – por milhares de anos definiram o cenário dominante da vivência humana. O crescimento incontornável do ruído começou nas grandes cidades, alargou-se depois às menores e está hoje por toda a parte, pautando uma vida onde o contacto com o silêncio é cada vez mais limitado, evitado até por muitas pessoas moldadas ao barulho e que sob este se socializam.

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            A mentira não tem cor

            Um dos fatores de destruição da democracia é hoje, como se sabe, a manipulação ou a invenção de notícias por parte da extrema-direita, ou mesmo do centro-direita, no sentido de gerar condições para a instalação do medo entre setores mais frágeis e menos informados do eleitorado. Ainda que a generalidade assente na pura mentira, isso em nada importa a quem as produz, pois o que para ela conta é o efeito produzido. Infelizmente, sobretudo nas redes sociais, estou a encontrar também, e cada vez mais, apontamentos e falsas informações, ou mesmo pura desinformação e imagens manipuladas, introduzidas por pessoas de esquerda em busca, no seu entendimento, de produzir o efeito contrário e de justificar os seus pontos de vista. O resultado é sempre igualmente péssimo, como o é combater a mentira com a mentira. Apenas se expandem os mal-entendidos e a dimensão da informação tóxica, ajudando a normalizar e a disseminar uma absurda «ética da falsidade».

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              O prazer dos arquivos

              Tendo muitas vezes a lembrar as centenas, provavelmente os milhares, de tardes de verão que passei dentro de arquivos históricos. É um prazer antigo, que me acompanhou desde cedo, muito antes ainda de ser parte ativa de um deles. Lidar horas ou dias a fio com «papéis velhos», vindos de outras vidas, de diferentes esperanças, de modos singulares e muito desiguais de estar no mundo e de o representar. Neles, jamais me senti sozinho, ou parte de uma exposição de velharias, mas como um explorador inquieto em viagem pelo tempo. Por estes dias de muito calor, e neste tempo de constante e crescente ruído, recordo mais ainda a sua temperatura amena e o seu silêncio reconfortante. Como os de um caravançarai ou de um oásis para quem atravessa o deserto. 

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                Atacar o SNS é estupidez, ignorância e ingratidão

                À exceção dos que tenho no meu mural do Facebook – e mesmo a estes só consigo seguir em parte – desde há muito que quase deixei de ler comentários em redes sociais e blogues. Tendo sido praticamente pioneiro da Internet em Portugal, mantive páginas que os permitiam entre 1995 e 2003, acabando com eles precisamente porque eram, em boa medida, cada vez mais tóxicos e ofensivos, para nada servindo. Nos jornais online faço a mesma coisa, até porque essa toxidade, como se sabe, tem vindo nos anos mais recentes a piorar exponencialmente.

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                  Psicopatas há muitos

                  Ignorante de tanta coisa que sou, tinha até há pouco uma perceção muitíssimo parcial da psicopatia e do psicopata. Julgava este, como creio que ocorre com a maioria das pessoas, apenas aquela figura antissocial, com formas muito graves de transtorno de personalidade, habitualmente associada à prática compulsiva e prolongada de crimes de sangue, em regra praticados de uma forma sistemática e tantas vezes particularmente horrível. Como o fizeram o londrino Jack, o Estripador, Harold Shipman, o «Dr. Morte», médico britânico que matava os pacientes, ou John Wayne Gacy, que se vestia de palhaço para assassinar ritualmente crianças e jovens.

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                    Verão Quente: não foi isto que vivemos

                    O Público começa um artigo sobre o Verão Quente de 1975 da seguinte forma: «Foram meses de instabilidade política, de anúncios de golpes e contragolpes de Estado, e também marcados por uma onda de violência ímpar. A História descreve uma realidade de trincheiras e os protagonistas reconhecem que Portugal esteve à beira de uma guerra civil. O país vivia, literalmente, a ferro e fogo. Foi o Verão quente.» Na verdade, a História (com o H maiúsculo que os autores do texto preferem usar) não descreve nada disto, ou apenas isto. O chamado Verão Quente foi um tempo de grande instabilidade política e social, sem dúvida alguma – aliás, revoluções tranquilas, sem instabilidade e hesitações, não existem -, mas também um período de conquistas, de experiências e de construção de utopias que durante décadas pautaram a vida dos portugueses e da democracia. Reduzir o Portugal da época a «um país a ferro e fogo» é um logro análogo àquele imposto pelo Estado Novo, ao longo da sua existência e a sucessivas gerações, para caraterizar a nossa Primeira República.

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                      Ruído na praia

                      Gosto de mar e da proximidade do mar, mas não de passar horas na praia, entre grãos de areia, golpes de sol e banhistas ruidosos. Da infância até aos quinze era forçado a viver cada agosto do ano na Figueira (da Foz), suportado por não ter direito de escolha. Salvaram-me os filmes bíblicos e os western spaghetti, os carrinhos de choques e os gelados de cone, as músicas da jukebox e a primeira namorada, mas a praia, a praia em si, esse era um lugar de tédio. Continuei depois a frequentá-la periodicamente, uma vez que o sol me ajuda a diluir alguns problemas de pele, mas o enfado permanece.

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                        Entender Putin e a Rússia com um livro perturbante

                        A invasão da Ucrânia, iniciando em fevereiro de 2022 uma guerra que analistas militares garantiam não demorar «mais que uma semana», vai já em três anos e meio. A situação continua gravíssima, num cenário diário de morte, sofrimento e destruição, mas a presença do conflito nas notícias tem diminuído. Outros fatores de preocupação têm emergido – em especial os relacionados com o terremoto Trump e com a situação em Gaza – e a Ucrânia passou para segundo plano, enquanto a iniciativa autocrática, belicista e imperial de Putin começa a ser descurada. Vale a pena, por isso, regressar a ela.

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                          Um país seguro, tenham paciência

                          Em 2025 Portugal subiu uma posição (7º lugar global, 5º da Europa, em 163) e ultrapassou a Dinamarca na lista dos países mais seguros. Esta é a verdade, reconhecida pelo Institute for Economics and Peace, que contraria a mentira generalizada, construída sobre pequenos episódios, propagada pela extrema-direita e que agora o nosso centro-direita também adotou. Documento completo: https://www.visionofhumanity.org/wp-content/uploads/2025/06/Global-Peace-Index-2025-web.pdf

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                            O governo e o regresso de Fritz Kahn

                            Parte de uma notícia do Público a propósito de uma medida a ser preparada pelo nosso pudico governo. Seguida de comentário.

                            «A sexualidade poderá começar a escapar dos debates entre professores e alunos já no próximo ano lectivo, pelo menos na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, tal como indiciam os documentos orientadores da disciplina, que estão em consulta pública até ao dia 1 de Agosto. Mas, abandonando esta disciplina, onde é que a sexualidade pode ser ensinada? Deixará a educação sexual de ter um espaço no percurso escolar dos diferentes alunos? A resposta imediata é não, mas assumindo, como lembra (…) o presidente da Direcção Associação Nacional de Dirigentes Escolares, que, “em termos curriculares, a sexualidade é trabalhada de forma meramente científica, na perspectiva dos órgãos e do funcionamento dos órgãos”, muitas dimensões fundamentais na educação dos jovens para a sexualidade caem por terra. “A sexualidade extravasa em muito a biologia”, lembra o representante dos directores. Sem ela, “os miúdos usam muito menos preservativos e ficam mais desprotegidos”, critica Margarida Gaspar de Matos.»

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                              Algumas linhas sobre o ativismo

                              Um útil apontamento publicado no Facebook por António Pais remete para uma declaração de Manuela Carmena, deixada em entrevista ao El País, que me levou até um padrão de leitura do papel do ativismo e dos ativistas na qual tenho pensado bastante e que me parece valer a pena debater. Carmena, nascida em 1944, é uma jurista e juíza espanhola, que foi militante dom PCE entre 1965 e 1981, vindo mais tarde, entre 2015 e 2019, a tornar-se alcaide de Madrid por uma coligação de esquerda. Este ano lançou Imaginar la vida: Cuatro décadas transformando lo público, que é um livro de memórias. 

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                                O recuo das humanidades como problema coletivo 

                                A partir dos anos noventa passou a falar-se bastante, sobretudo entre quem as tenha no eixo das suas vidas, do recuo, ou da crise, das humanidades. Isto é, de uma rápida e acentuada desconsideração pública dos saberes e das práticas que estudam e transmitem a experiência humana, incluindo-se neles a literatura, as ciências da linguagem, a história, a filosofia, os estudos culturais e as artes. Todos procuram compreender e partilhar as formas usadas pelos seres humanos para se expressarem, interagirem e criarem significados nos planos pessoal e coletivo, combinando diferentes modos de estar no mundo, de o entender, de o representar e de o transformar. 

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                                  Uma direita «democrática» sem máscara

                                  A direita portuguesa do pós-25 de Abril teve, na sua matriz, algo que faz com que a sua atual aproximação em relação às propostas e ao discurso da extrema-direita não sejam de todo inesperadas. Na verdade, com exceção de escassas e isoladas escolhas pessoais, jamais tivemos uma direita organizada e politicamente fundamentada como aquela que existiu, e ainda existe, na França, na Grã-Bretanha, na Itália, na Alemanha ou nos países escandinavos. Uma direita neoliberal, mas vinculada aos princípios essenciais da democracia cristã, do personalismo, ou mesmo do liberalismo humanista, que foi sempre, sobretudo a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, democrática e multilateralista, mesmo quando contestou o estado social e defendeu políticas que puseram em causa direitos adquiridos e formas de igualdade e de solidariedade. 

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                                    Ao passar por um dos meus artigos académicos iniciais, publicado em 1982, deparei com a referência a um segundo volume de um título cujo primeiro tomo citei, indicando-o como estando «no prelo». Isto é, em fase de impressão tipográfica. Era ainda uma prática muito usual, a de fazer sair obras em dois volumes indicando que o segundo se encontrava nessas condições. Num grande número de vezes, porém, nem isso era verdadeiro: tratava-se apenas de uma intenção jamais cumprida. Costume também era alguém indicar um título seu, fosse de livro ou de artigo, que considerara a hipótese de publicar, como estando no tal inexistente «prelo». Tratava-se de uma forma artificial – talvez melhor: fraudulenta – de ampliar currículos pequenos ou inexistentes.

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