Evasões

Uma semi-surpresa tive-a ao ler, há alguns meses atrás, A Misteriosa Chama da Rainha Loana, de Umberto Eco. Um deambular autobiográfico, na forma de romance, pelas mais antigas leituras e experiências musicais das quais o autor é capaz de se lembrar. Reparei então que é possível detectar uma tradição comum à literatura infanto-juvenil da Itália dos anos 40 e à do Portugal dos inícios da década de 1960. Os heróis foram quase os mesmos, quase os mesmos os cenários de aventura e os mapas do exotismo, semelhantes os propósitos de evasão projectados, no interior de sociedades marcadas por um profundo conformismo, sobre territórios distantes, tempos recuados, destinos improváveis. Os vultos de Fantomas e de Buffalo Bill, de Arsène Lupin e do Corsário Negro, de Sandokan e de Rocambole («hoje em Madrid, amanhã em São Petersburgo, mas ainda ontem em Pequim»), andaram pendurados em idênticos cordéis nas travessas de Milão e de Lisboa, como nos de Marselha ou Barcelona. Experiências-reminiscências para sucessivas gerações de rapazes. Ou, assim se dizia outrora, de umas quantas «marias-rapaz».

    Olhares.