O livro de Adelino Gomes e de José Pedro Castanheira editado pelo Público (Os Dias Loucos do PREC) define uma útil e documentada viagem pela memória de um período tórrido da nossa história recente. A arrumar na estante ao jeito da mão, ao lado de O Pulsar da Revolução, a cronologia lançada há alguns anos pelo Centro de Documentação 25 de Abril, transformando-se rapidamente em mais uma obra de consulta para historiadores, jornalistas, políticos profissionais e amadores, activistas de diferentes causas e público em geral. Notam-se, entretanto, algumas lacunas, particularmente no que respeita às dimensões cultural, social, ética, e até estética, do Processo Revolucionário Em Curso no imediato pós-Abril. Sem a integração destes factores, para o leitor que o não viveu ou que dele conserva ténue lembrança, o PREC poderá parecer, muito erradamente, apenas uma sucessão de golpes, contragolpes, arranjos palacianos, greves, barricadas, sobrevoos, gritaria e tiros para o ar. Tratou-se, afinal, de uma escolha dos autores. Aquilo que definitivamente não me agrada é, porém, o prefácio de Gonçalo M. Tavares. Nele levantam-se genericamente algumas ideias interessantes para que o leitor comum possa perceber a morfologia de uma revolução e aceite os seus indispensáveis exageros. Mas GMT desenvolve também algumas reflexões, um tanto lacunares, acerca do modo como o conhecimento histórico encararia o carácter dinâmico da intervenção individual e do episódio, assim como a dimensão passional de determinados gestos ou manifestações. Descreve então a História – que escreve com maiúscula para, parece-me, de alguma forma a depreciar – «como uma espécie de ciência que considera as excitações individuais e colectivas focos de perturbação da verdade dos factos», olhando tais excitações «como aquilo que as ciências clássicas classificam de erros».
É preciso dizer que, após a superação da fobia do acontecimento produzida pela primeira vaga das escola dos Annales e da intervenção da influência estruturalista que dominou as décadas de 1960-70, a História, enquanto saber preocupado com as leituras presentes do passado, superou esse handicap. Para qualquer historiador minimamente actualizado e aberto às crescentes possibilidades do seu métier, tal questão deixou simplesmente de se colocar. O regresso triunfante da biografia e os novos caminhos percorridos pela história política demonstram-no constantemente. Claro que existe ainda, neste campo, quem pense, escreva e diga o mesmo que pensava, escrevia e dizia há trinta anos, desvalorizando, por exemplo, o papel do olhar de desafio de Salgueiro Maia, ampliado aos olhos do apontador da Chaimite, o qual, por ele convencido, resolveu desobedecer às ordens do seu comandante e não disparar sobre os revoltosos de Abril, possibilitando a sua vitória. Mas contra isso nada se pode fazer se não aceitar criticamente a escolha. GMT é um excelente escritor, como todos sabemos, mas poderia ter a percepção de que a atitude que menciona é própria de uma espécie em vias de extinção. Evitando que fique a pairar a definição lapidar, desalmada e bafienta dessa História-saber que muitos leitores tomarão erradamente por essencial.