A passagem doo 150º aniversário sobre o nascimento de Sigmund Freud tem servido a publicação de estudos, sínteses, polémicas ou entrevistas sobre a origem e os sentidos da psicanálise. Pelo menos nas partes do mundo nas quais a sua obra não é já objecto de um tabu científico. Nada de particularmente novo, numa área do conhecimento que, desde o seu nascimento, se transformou em terreno de intrincados debates e duras controvérsias. Não deixa, no entanto, de parecer algo estranho que, tantos anos após a saída de A Interpretação dos Sonhos (1899), os preconceitos, mal-entendidos e simplificações acerca do sentido das hipóteses e das descobertas freudianas permaneçam tão vivos. É assim, por exemplo, que num dossiê recém-publicado pela revista Visão, diversas personalidades lusas revelem esse lado não fundamentado, marcado até por toques de uma agressividade contida, de uma abordagem preconceituosa da «ciência do divã». Por outro lado, muitos dos seus defensores assumem repetidamente posições de um apaixonado parti pris, como tal quase sempre com um envolvimento pouco crítico.
Aquilo que se pode dizer é que a obra de Freud trouxe consigo um dos três grandes «Is» por intermédio dos quais, na viragem do século XIX para o XX, o edifício racionalista e cientificista, que a Europa reconhecera como dominador nos duzentos anos anteriores, começou a ser abalado. Ao instinto de Nietzsche e à intuição de Bergson, Freud juntou a integração de um novo continente humano – sediado no inconsciente – que contribuiu em larga escala para a reavaliação da subjectividade e para a abertura de novas possibilidades no domínio da criação. «Is» que integram hoje o património cultural da humanidade e são elementos centrais da emancipação do sujeito e da afirmação da liberdade individual.