Não fixei o momento no qual pela primeira vez associei a palavra intrigante a algo de raro e intangível. Ocorreu algures, na fase da descoberta da literatura infanto-juvenil, com a sua lista de heróis e de heroínas tão improváveis quanto excitantes e de indecifráveis biografias. Intriga pode ser perfídia, cilada, ou, mais prosaicamente, a secreta maquinação que visa perturbar alguém ou fazer ruir alguma coisa que a ordem natural deveria ter conservado de pé. Invoca também a redução ao essencial das peripécias que integram um determinado enredo. É lida porém de uma forma complexa sempre que se refere a certos estereótipos. Homem intrigante é então aquele de quem se não conhece princípio ou profissão. Poderá ser um ladrão, um agente duplo ou mesmo um escroque, ainda que com maneiras de dandy. Ou um rebelde que esconde a fonte da sua rebeldia e os inimagináveis métodos que utiliza. Alguém que oculta, que cala e lança olhares rápidos e perscrutadores, falando o mínimo possível, agindo apenas quando estritamente necessário, escondendo as emoções. Um Johnny Ringo caminhando sobre a poeira a fixar o horizonte.
A mulher intrigante, essa esconde-se de um modo ainda mais perfeito, associada a um erotismo adornado de mistério, propiciador do descaminho e da interferência, jogado na área da sombra, transformando em seres errantes, definitivamente perturbados, os homens, ou as outras mulheres, que lhe notam a silhueta. Se, em L’homme qui aimait les femmes, Bertrand Morane se deixava seduzir por um qualquer rabo de saia que aparecesse no raio do olhar, jamais escolhendo uma figura exemplar, aqui a fêmea intrigante não pode, de forma alguma, ser «uma qualquer». É antes aquela que desencadeia um efeito especial, de acentuada intriga, reconhecível de imediato na paisagem dos que a rodeiam.
Para se tornar intrigante não precisa fazer muito. Basta-lhe sussurrar. Olhar de forma obstinada e insinuante, embora distraída. Usar uma boina ou um lenço, luvas e brocados no inverno, brincos mínimos e deslumbrantes, anéis, um anoraque colorido. Caminhar deslizando, sem deixar ouvir os passos, não permitindo jamais que se lhe conceba o corpo, mantendo na expressão uma ingenuidade assumidamente falsa e um desinteresse que jamais chega a ser verdadeiro. Pode ser uma activista, possuir nome eslavo ou um sobrenome italiano, escrever em jornais, participar em conspirações, defender a acção directa, a revolução social, ou mesmo, sob certas condições, o terror. Mas fazê-lo no lugar próprio, escondendo em público as dúvidas, aparentando fragilidade e distância, guardando o calor e a decisão para esse tempo algures, esse lugar inexacto no qual se desenha verdadeiramente a intriga que a define.