O documentário sobre o Hezbollah que a SIC-Notícias exibiu ontem – realizado há três anos por jornalistas identificados, com testemunhos também eles identificados com clareza – terá deixado a qualquer espectador de sentimentos genuinamente democráticos uma terrível impressão. Nele se mostraram os contornos de uma organização islamita, fortemente financiada a partir do exterior, que assume um paternalismo infame sobre a causa palestiniana, procurando «ensinar» os seus combatentes a porem de lado as inibições e a fazerem uma verdadeira «revolução islâmica». Nele foi possível ver uma força muito bem armada, equipada como um exército regular, com bases escondidas e instalações não identificadas espalhadas por ruas e ruelas de cidades libanesas, a artilharia pesada apontada sempre para o lado de lá da fronteira. Nele se deparou com um poder autónomo que não dá importância alguma às autoridades locais e manipula sem vergonha – incluindo nessa manipulação pagamentos em dinheiro e oferta de cuidados de saúde que os libaneses não podem custear – a extrema miséria da população muçulmana xiita, desprezando ao mesmo tempo os restantes 55% da população do país. Nele foi possível verificar a imposição nas zonas controladas de normas estritas de «comportamento islâmico», principalmente aplicadas às mulheres, e que no Líbano vinham sendo objecto de uma grande tolerância. Nele se ouviu, repetidamente, um discurso primário apelando à jihad e lançado contra tudo aquilo que se não pareça com uma visão teocrática e anti-ocidental do mundo. Nele se exibiu um ódio extremo a toda a tradição histórica de convívio étnico e religioso da qual o Líbano se manteve na região como um farol. E, acima de tudo, nele se colocou, diante dos olhos de quem o quis ver, um imenso menosprezo pela democracia representativa e pela liberdade de expressão, por eles diabolizadas como criaturas dos EUA e de Israel. Como dizia no documentário um dos seus principais responsáveis: «nós vamos provar, através do apoio democrático do povo, que a república islâmica é o único caminho». «E se o povo não aceitar democraticamente esse caminho?», questionou o entrevistador. «Então prosseguiremos o nosso combate por todos os meios», respondeu.
É a esta gente que, órfã das revoluções de que precisa para não diluir os seus mitos mais profundos, parte significativa da nossa «opinião progressista» – para utilizar uma expressão tão arcaica quanto eufemística – reconhece agora toda a legitimidade na luta «de massas» contra o estado de Israel. E na guerra – extrema e atroz, com o seu longo cortejo de inocentes vítimas, como todas as guerras – que acontece à nossa frente. Em que planeta estamos nós?