Num conjunto de textos publicados no Auto-Retrato sob a comum designação «O mal dos blogues», Sérgio Lavos refere-se – com ecos no Esplanar – a um conjunto de problemas e perplexidades aos quais provavelmente devemos ficar atentos.
Enuncia-se ali uma contradição entre os limites colocados ao funcionamento dos blogues, sempre dependentes do seu imediatismo e efemeridade, e a insistência no grande salto que eles representaram em relação ao período dos e-zines, nos quais era possível produzir um nível de discurso mais complexo e elaborado (se alguns deles foram fanzines com outro rosto, muitos outros foram bem mas do que isso). Concordo por completo com os limites apontados a estes e-zines em termos de capacidade para se manterem actualizados e de facilidade de manipulação, mas já não concordo – e posso dizer que conheci bem o meio pois estive mergulhado nele durante seis ou sete longos e exaltantes anos – com a referência à sua vinculação aos «tiques e defeitos das publicações académicas tradicionais». A verdade é que – terei, com mais meia dezena de pessoas, configurado a excepção – durante mais alguns anos os académicos e o seu mundo mantiveram-se, em Portugal, completamente alheios a esse espaço aberto. Projectos tão originais como o Top 5% Webzine , a Babel, o Código de Barras ou a Alface Voadora – de José Couto Nogueira, meu saudoso parceiro e amigo – seguiram por caminhos e linguagens bem diferentes.
Por outro lado, parece-me importante introduzir na reflexão quatro tipos de blogues sempre algo marginalizados pelos «grandes cruzadores» do debate político, aqueles que somam e multiplicam um número muitíssimo maior de page views. Ainda que tenham uma visibilidade inferior, eles têm pontuado muito do que neste domínio existe de melhor, de mais criativo, e, num certo sentido, de mais profundo. Refiro-me aos blogues mais directamente preocupados com a criação, com o «comentário cultural», com causas e interesses mais específicos, assim como aos, inúmeros, de natureza intimista. Permitindo todos eles – os que conservam uma regularidade e uma qualidade acima da média, para não falar do inevitável lixo, bem entendido – a pluralidade e o encontro de interesses absolutamente ímpares. E permanecendo também enquanto notáveis espaços para o treino de escrita e dos próprios processos de reflexão e de crítica.
A leitura dos blogues tem, além disso, permitido a definição de modalidades de democracia informal e a visibilidade de posições que os grandes jornais e as estritas organizações da democracia representativa costumam silenciar ou ignorar. O que valerá a pena sublinhar ainda é que eles tem contribuído também, e de uma maneira sem dúvida crescente, para colocar problemas que de outra forma nem sequer se teriam posto sobre a agenda dos meios de comunicação social, dos órgãos de soberania e dos partidos. SL reconhece-o ao fazer notar que os blogues «seja qual for a forma tomada no futuro, irão ser um meio fundamental de produzir, acima de tudo, opinião». Por isso mesmo é que se torna necessário não aceitar como inevitável, e via única para a sua sobrevivência, a completa integração comercial deste meio. É que foi precisamente por aqui que começaram a morrer os e-zines, substituídos por «portais» incaracterísticos, estandartizados, frívolos até. Por isso também é necessário resistir à apropriação completa e às tentativas de aniquilamento deste espaço de liberdade. Felizmente que, para o fazer, não é preciso muito mais do que vontade e inteligência.