Estava a pensar falar sobre as agendas da minha vida quando vi que o Pedro Mexia já havia feito coisa parecida numa crónica da Grande Reportagem (agora reunida a outras na colectânea Primeira Pessoa, ed. Casa das Letras). Vale a pena, ainda assim, escrever alguma coisa sobre o assunto. Por dois motivos essenciais. Primeiro, porque se aproxima o Outono e chega com ele a altura de procurar o caderninho mais conveniente, antes que o stock esgote e tenhamos de aceitar a oferta anual das carpetes Avelino ou das confecções M. Santos & Filho. Depois porque quase todos nós temos recordações e sentimentos particulares em relação a esse tipo de objecto íntimo. Eu não escapo à regra.
Lembro o prazer infantil que sentia em receber, em dose tripla ou quádrupla da responsabilidade de uma companhia de seguros qualquer, aqueles cadernos de capa cartonada ou em oleado, por vezes com um pequeno lápis lateral, e cheios de pormenores que achava abolutamente essenciais. Sobre coisas magnas e tão diversas como as fases da lua, o horóscopo chinês, a população de Copenhaga, os afluentes do Amazonas, o ramal da Lousã, a invenção do papel, «anedotas do Bocage», como tirar nódoas de azeite ou o cognome de D. Henrique, o tio e sucessor indesejado do Desejado. Folheava-as durante tarde inteiras, imaginando tudo a partir de muito pouco. Com uma única angústia: a minha vidinha sem responsabilidades não me dava motivos suficientes para apontar o que fazer. A parte da agenda propriamente dita ficava então em branco, com a excepção do meu aniversário, dos resultados do Sporting, e de um frase, exultante e em maiúsculas, inscrita a cada 1 de Julho: «COMEÇO DAS FÉRIAS GRANDES».
A seguir veio a filofax, com os seus separadores coloridos, lugar para cartões de crédito e credifones, uma presilha de botão. Pesada, com menos informação e ainda mais espaço para escrever notas e lembretes, nunca me entusiasmou particularmente. Usei-a principalmente para guardar moradas e, em casa, como pisa-papéis. E de repente, há uns cinco, talvez seis anos, passei a servir-me das agendas electrónicas. Nas quais parece caber de tudo. No meu actual Pocket PC, com inexploradas capacidades wi-fi e bluetooth, tenho agora uma agenda perpétua (sempre demasiado preenchida), um alarme, um processador de texto, uma base de dados, dicionários, programas para a Internet. Para não falar de versões das enciclopédias Compton e Britannica, um atlas sofrível, um guia de restaurantes, a Internet Movie Database, e toda uma série de obras de referência (como o Routledge Companion to Historical Studies ou diversos livros electrónicos sobre o cinema e a história do século XX), que consulto em desespero de causa. Mas falta-me um pouco aquele ritual da espera e da chegada das agendas do ano seguinte, o cheiro a cola e a tinta de impressão, a sensação de agarrar com as mãos a chave do mundo.