Em artigo no L’Espresso, Umberto Eco aborda o medo de falar, e até de rir, com o qual somos hoje confrontados. Lembra que «os tabus não são todos imputáveis aos fundamentalistas muçulmanos» – os quais, aliás, considera não brincarem em serviço no que toca à susceptibilidade –, tendo começado, antes da vaga desencadeada pelos islamitas radicais e aceite complacentemente pelos órfãos de causas do ocidente, «com a ideologia do politicamente correcto». Inspirada, como se sabe, por um sentimento de respeito para com o outro e para com todos, ela limita-nos agora na prática de um dos melhores exercícios para a aceitação da diferença. Refiro-me ao humor, aquele humor capaz de jogar com as peculiaridades, manifestas ou caricaturadas, de cada pessoa ou de cada grupo. Quem tem mais de trinta e cinco anos recordar-se-á, com toda a certeza, da forma desinibida como no princípio da década de 1980 os simpatizantes portugueses da Frelimo contavam «anedotas do Samora» de mesma maneira terna e cúmplice utilizada por um tanoeiro de Vila Pouca de Aguiar para contar «anedotas do Bocage». Hoje isso seria muito difícil sem conflitos e autocensura pelo meio. E nos EUA, o constrangimento chega ao ponto de não apenas se evitar contar piadas sobre negros, loiras, gays, lésbicas, judeus, muçulmanos ou deficientes, mas igualmente de cada um isentar de tais brincadeiras, nota ainda Eco, «escoceses, genoveses, belgas, bombeiros, varredores do lixo e esquimós» (ou inuit, para não ofender ninguém). Tratar tudo com gravidade – o que não significa, obviamente, levar tudo a sério – passa cada vez mais por medir as palavras, algumas vezes até ao limite do caricato, por desviar a conversa, omitir, ou simplesmente calar-se. Mesmo em questões de princípio, uma vez que, acima de tudo, importa nesta lógica não ferir com qualquer insinuação a condição ou os valores de quem não pensa como nós. Num mundo cada vez mais colorido pela variedade das culturas e pelas formas de mestiçagem, poderemos por um dia destes, paradoxalmente, ver-nos forçados a deixar de contar anedotas e a falar apenas de vacuidades (o tempo e o piso das estradas são temas seguros, mas já a comida, o sexo ou o desporto, não sei…). Ou então a calar-nos de vez, não vá um telemóvel – provido de gravador de voz ou de câmara de vídeo – tramar-nos bem tramados.