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A notícia podia ser igual a outras que periodicamente aparecem nos jornais. Num hospital do norte, uma troca de identidades desencadeara os rituais da morte na família errada, trazendo o luto e graves transtornos aos filhos de uma mulher que, afinal, ainda irá comemorar os 95 anos de vida. Tudo ficaria esclarecido pela intervenção do agente funerário entretanto contratado, mas, como vem sendo habitual, sem uma frase de explicação ou um pedido de desculpas da parte do hospital. Os familiares sentiram mas calaram: «Quem é pobre nunca tem razão e sei lá se ainda se vingam nela», dizia a filha à jornalista, «os pobres têm de comer e calar». Poderia ser a atitude típica dos filhos do salazarismo que dele herdaram sobretudo a mudez e a desprotecção. Parece-lhes preferível engolir em seco: «houve um senhor que se ofereceu para escrever o que se passou num livro amarelo, mas eu recusei-me a assinar», explica a mulher, «pois a gente nunca sabe quando vai voltar a precisar deles». Hoje sou capaz de entender os seus temores.

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