Da «superioridade moral» do Sim

Lonely

Sempre evitei aceitar que alguém, uma ideia, uma determinada atitude, a partilha de um conjunto de princípios ou de convicções, possam determinar uma qualquer forma de «superioridade moral». A percepção da fragilidade e da imaterialidade da condição humana, associada a uma visão optimista e céptica do mundo, têm-me ajudado a fugir a essa tentação de me considerar superior – pela forma como penso ou actuo, pelas certezas passageiras que partilho – às pessoas com as quais pouco ou nada tenho a ver. Por vezes indigno-me com elas, outras vezes ignoro-as, mas jamais considero deter um qualquer valor de superavit moral. De vez em quando, porém, caio na tentação de contradizer esta espécie de filosofia de vida.

É o que me tem acontecido nestes últimos dias, no contexto do confronto – mais confronto que debate – entre os adeptos do Sim e os do Não, a propósito do referendo do próximo domingo. Senti isso quando olhei, e quando ouvi, aquela plateia que, do lado dos defensores do actual estado de coisas, apareceu no último «Prós e Contras» da RTP1. Primeiro olhei para trás e vi um conjunto de pessoas triste e pobres, algo perdidas no meio de tantas luzes e de senhores e senhoras bem-falantes e bem-penteados, claramente ali plantadas por instituições religiosas ou de caridade social. Pessoas que jamais estariam, espontaneamente, num debate daquela natureza. À frente delas, os seus «patrões». Quase apenas gente «de bem» onde, por detrás daquele imutável sorriso que apenas os fanáticos são capazes de manter, cada palavra, cada proposta, soava a total hipocrisia, a vergonhosa mentira, a completa insensibilidade, por vezes a uma cegueira fácil de admitir a quem não sabe, ou não quer saber, das consequências sociais daquilo que propõe. Em relação àquela gente, a tudo aquilo que ela representa, admito que me sinto tentado a afirmar, associado a todos aqueles que se lhes opõem, alguma superioridade moral. De entre eles, apenas desculparei os que defendem o que defendem com base em critérios de fé. Mas como a fé é igualmente uma coisa que me incomoda, confesso que também em relação a ela, no gozo de uma liberdade não condicionada a quaisquer dogmas, experimento uma certa dose de sobranceria. Vamos ver se isto passa no dia 11.

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