Um estranho rosto da paz

Ian Paisley

Nos anos sessenta, a larga maioria das pessoas que, neste país, se importava com aquilo que acontecia para lá das fronteiras marítimas e terrestres – a oposição de esquerda, mais atenta e politizada – acompanhava o conflito na Irlanda do Norte tomando, sem pestanejar, o partido dos «bons» e dos pobres, que eram necessariamente «os católicos». É, aliás, interessante verificar hoje como a maior parte da imprensa portuguesa da época, indefectivelmente católica mas avessa, acima de tudo, à guerrilha urbana do IRA, tomava o partido dos «maus». Isto é, dos ricos «protestantes». Ninguém, de um lado ou do outro, falava então do rosto simpático do Sinn Féin. Como não se falava de um comportamento civilizado dos unionistas.

De entre estes destacava-se, nas primeiras páginas, o perfil rude e colérico do reverendo Ian Paisley, hoje com 80 anos de idade e desde há décadas a voz mais conhecida dos partidários de um Ulster sob o domínio da coroa britânica. Paisley, o inflexível provocador, era, para a esquerda europeia, o arqui-vilão irlandês, a figura do demo em traje de pastor presbiterano, uma chaga na ilha de S. Patrício. Por este motivo, é ainda quase impossível, para muitas das pessoas que possuem uma «memória à esquerda» desse tempo, imaginá-lo agora como o chefe de um governo da Irlanda do Norte capaz de partilhar o poder com Gerry Adams, Martin McGuinness e os antigos «iristas» reconvertidos ao fato e à gravata. Mas parece que é isso mesmo que vai acontecer. Mudam-se os tempos e também as vontades.

    Opinião.