Antifascistas

L'Affiche Rouge
L’Affiche Rouge

Um post de Tiago Barbosa Ribeiro sobre a caracterização do «fascismo português», ao qual respondeu João Tunes alargando-se depois a discussão, fez regressar uma polémica que não é tão velha quanto a nossa democracia: é mais velha do que ela, pois vem do próprio pré-Abril. A oposição ao regime nunca se entendeu verdadeiramente a propósito da essência deste, e o labéu de fascismo passou a servir para designar uma ordem que foi «coisas diversas» entre 1926 e 1974. Neste sentido, e sem querer servir aqui de mero «conciliador» – serei suspeito, pois prezo os dois envolvidos – acredito sinceramente que ambos têm razão. Dito de outra forma: com TBR aceito que a experiência autoritária do salazarismo nunca teve a configuração heróica, popular, razoavelmente laica e essencialmente urbana do fascismo italiano (JT também não o negou); com JT reconheço a identificação de numerosos traços do regime, particularmente salientes a partir de 1933, que o aproximam das marcas comuns às diversas «quimeras fascistas», naquilo que de mais radical (e de sórdido, já agora) elas detiveram (TBR também não contestou esta ligação). Uma boa aproximação a esta «unidade na diversidade», capaz de temperar tipologias demasiado lineares, pode ser obtida na leitura de um livro recente mas que, por razões obscuras (mil páginas de texto cerrado também não ajudam a crítica…), tem permanecido na penumbra: Labirintos do Fascismo. Na Encruzilhada da Ordem e da Revolta, de João Bernardo (Afrontamento, 2003).

Em 1976, em O Fascismo Nunca Existiu, livro que gerou imediata polémica apenas porque um certo número de pessoas levou à letra a frase que lhe servia de título, Eduardo Lourenço esclareceu que o regime recém-derrubado poderia «entrar, como outros similares, nessa necrópole histórica etiquetada de fascismo». Julgo ser por aqui que, de alguma forma, se pode encontrar uma justa medida para começar a resolver, sem preconceitos, este aparentemente irresolúvel imbróglio. Para a memória histórica das gerações futuras, como para aqueles que viveram a resistência aos diversos regimes de «tipo fascista», o fascismo perderá a sua referência ancorada num determinado modelo – o italiano, talvez, mas porque não o alemão? (pois que coisa será afinal o nazismo?) – e designará aquela época longa, interminável, de noite e de nevoeiro, no qual as botas ferradas e os cânticos em louvor do Chefe e da Nação, tiveram como única resposta possível uma luta tenaz, constante, corajosa, pronunciada em diversas línguas, pela utopia da liberdade. Todos eles – e poderíamos começar a fazer as contas pelos milicianos e pelos brigadistas da Guerra Civil de Espanha – foram acima de tudo, e independentemente dos cartões partidários (ou da ausência deles), antifascistas. Em Portugal foram muitos, muitos milhares. Contra quê?

    História.