Acabava de ler o recém-publicado livro documental e autobiográfico de Joana Lopes sobre a experiência dos «católicos progressistas» durante os últimos quinze anos do Estado Novo (Entre as brumas da memória. Os católicos portugueses e a ditadura, da Ambar). O livro – falarei dele mais adiante – transpira optimismo, por vezes algum humor, tanto mais modelares quanto se sabe dos «tempos difíceis» aos quais se refere. No entanto, fecha com uma espécie de balanço, através do qual a autora nos dá a entender o quanto a falência de um conjunto de propostas que mobilizaram tantas pessoas, de tão diversas gerações, criara em milhares de consciências um sentimento de desilusão, de desesperança e, de certa maneira, de desistência.
Posso, por isso, dizer que me fez bem encontrar no DN as palavras do Padre Anselmo Borges, declarando ser a teologia a «teologia das religiões empenhadas na libertação» e que «o horizonte do diálogo inter-religioso é a libertação-salvação enquanto experiência radical de sentido frente ao sem sentido dos explorados, dos humilhados, das vítimas e da morte.» Relembrou-me Anselmo Borges que, afinal, permanecem entre alguns sectores católicos os horizontes da esperança e da identificação com as causas que aspiram a um mundo melhor e mais solidário. E que, se deles já não faz parte a maioria das pessoas que Joana Lemos recorda no seu livro, outras existem que mantêm algo dessa utopia humanizada que, contaminada pelo espírito da época, instigou tanto entusiasmo durante os anos 60 e 70. Permito-me acreditar que, muitas delas, terão tomado, quase com horror, conhecimento do recente texto de Bento XVI (Sacramentum Caritatis), no qual este renova a desafectação da Igreja em relação ao problema do celibato dos padres (uma velha luta dos sectores «progressistas»), acentua a exclusão dos divorciados da comunidade eclesial, sugere uma complexificação da liturgia e propõe o regresso em força do latim, ou ainda, pasme-se, do canto gregoriano.