Sempre preferi os reflexivos e polidos cidadãos atenienses aos seus vizinhos espartanos, descritos como eternamente guerreiros e brutais, e não será agora que vou mudar de opinião. Mas também não será por isso que, como o faz um crítico do Expresso, aceito que qualifique de «protofascista» o filme 300, de Zack Snyder – construído, a partir da BD de Frank Miller e Lynn Varley, e (naturalmente) do relato de Heródoto – sobre o combate desigual travado no desfiladeiro das Termópilas pelo rei Leónidas, acompanhado dos seus três centos de corajosos combatentes espartanos, contra as tropas numericamente muito superiores de Xerxes. Deve dizer-se que o filme idealiza bastante o lugar de Esparta no seu combate «pela liberdade» contra os ímpetos despóticos do rei dos persas. Que incorpora personagens mágicos, violentos ou grotescos que parecem caricaturas do bestiário de J. R. R. Tolkien. Que os medo-persas são de forma caricatural apresentados como chacais um tanto estúpidos, ora medonhos, ora efeminados, e sempre amorais. Mas, para além disso, trata-se de uma obra inteiramente concebida como um jogo de computador – até a coreografia dos duelos e das batalhas acompanha muito de perto a sua mecânica feita de impulsos – que me parece apenas mais uma daquelas experiências de cinema romanesco, «de aventuras», a tender, como milhares de outras, para o extremar da separação política entre heróis e vilões. A não ser que se queira dar alguma razão à impugnação do filme pelos círculos próximos do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que o fizeram proibir no seu país por considerá-lo parte da guerra psicológica lançada pelos EUA contra o regime que suportam. Quer-me parecer que é isto mesmo que este tipo de crítica nos pretende oferecer como observação essencial a ter em conta perante 300: com os «persas» não se deve brincar nesta altura dos acontecimentos mundiais.