Com catorze anos de idade eu não podia ter uma posição política que se esforçasse por parecer coerente. Talvez por isso, ou graças às «leituras para rapazes» que ocupavam a maior parte do meu tempo, em Junho de 1967 ainda sentia um grande entusiasmo pela guerra e pelos guerreiros que imaginava a povoá-la. Não aquela guerra que sabia travar-se no «nosso Ultramar» e que já então me parecia soturna, sem vislumbre de finalidade ou de grandeza, mas as guerras que se assemelhavam às dos livros. Partilhei pois – na altura, com muitos outros portugueses comuns – uma certa atracção pela dimensão heróica da Guerra dos Seis Dias. Passei aquela semana agarrado à rádio, combinando a escassa informação que chegava através da Emissora Nacional e do Diário de Notícias com as proclamações indecifráveis e contínuas, acompanhadas de música marcial, que, através da onda curta, provinham, presumo, do Cairo ou de Tel-Aviv. Entrevi dias depois, em escassas imagens da televisão, o júbilo dos soldados israelitas. Mais ao longe, uma nuvem de poeira que o locutor de serviço dizia ser a infantaria egípcia em retirada. Lamentei que tudo tivesse acabado tão depressa. E rejubilei com a vitória militar daquele que era então – alguns dos que conservam alguma memória da época já o terão esquecido – um pequeno povo perseguido de «judeus imundos», confinado a uma língua de terra árida e demasiado ensolarada.
O rosto visível daquele delírio juvenil, que só depois soube tratar-se do prelúdio de um outro drama que nada teria de romanesco, era o do misterioso general Moshe Dayan. Com a sua inconfundível pala de pirata (substituindo o olho vazado no Líbano durante a luta contra os francesas colaboracionistas), um permanente mono-olhar de gozo e sobranceria, a mesma postura descontraída e operacional que vislumbrei depois nos muitos oficiais-generais do exército israelita que ganharam as suas estrelas dividindo o tempo entre o ar condicionado dos comandos e um quotidiano vivido em ininterrupto estado de guerra. Dois anos depois, já via a Guerra dos Seis Dias de uma forma crítica, percebendo como ela tinha incubado o ovo da serpente – e como o «espírito de aventura» preludiara afinal uma proeza extremamente perigosa – mas ficou-me, para sempre, sob o retrato daquele herói que não saía dos livros e do passado mas de uma realidade imediata que os imitava, a percepção vivida, da dimensão estética, inebriante e tremendamente perigosa da guerra. Da forma como ela pode catalisar tomadas de posição bruscas, irracionais e irreversíveis. Tal como, actualmente, o reconhece aquela parte da oposição política israelita que ainda é capaz de conceber uma paz que mais ninguém parece desejar.
Adenda: o homem «humanizado»