Continua a excelente série sobre a Guerra Colonial que a RTP-1 tem transmitido todas as terças-feiras. Para já, aquilo que ressalta como inegável é o fantástico trabalho de recolha e o esforço de enquadramento histórico dirigido por Joaquim Furtado. Jornalismo de investigação a sério, daquele que só alguém com a sua experiência, o seu perfil e o seu estatuto pode materializar. De facto, detecta-se ali um conhecimento, uma capacidade crítica, uma procura não-ingénua de isenção, uma disponibilização do tempo, um esforço para fazer devagar mas bem, que nem sempre os jornalistas mais novos, e alguns dos da geração de Furtado, sabem fazer ou têm condições para levar à prática.
Entretanto, em termos formais, aquilo que neste momento mais me choca não são os dados sobre as vítimas e os danos ocorridos nos primeiros tempos da guerra em Angola. A maioria deles eram já bem conhecidos. É a forma paternalista como a generalidade dos protagonistas portugueses entrevistados, mesmo pessoas responsáveis como Carlos Fabião, Lemos Pires ou Adriano Moreira, fala dos combatentes africanos e do comportamento das «populações indígenas». Alguns deles não hesitam mesmo em apelidá-los, tanto tempo depois, de «terroristas», ou de considerar muitas dessas pessoas como «levadas ao engano» pela propaganda insidiosa do «inimigo». Em muitos dos testemunhos ainda se pressente a matriz racista, um resto de adrenalina, a marca de exaltação (esforçadamente contida, mas perceptível), que sobra dos momentos de tensão e de bestialidade então vividos. É bom que o programa também mostre isso, claro. Mas tal não deixa de perturbar aqueles de nós que já mataram esses fantasmas.