Tenho evitado referir-me a Purga em Angola, o livro de Dalila Cabrita Mateus e de Álvaro Mateus, editado pela ASA, sobre a história do MPLA e os acontecimentos que envolveram o negro dia 27 de Maio de 1977. Custa-me falar de um assunto doloroso e sobre o qual não posso ser observador imparcial, pois estive em Angola no ano da independência e conheci de perto pessoas que ano e meio depois foram fuziladas, ou desapareceram, ou foram «apenas» presas e torturadas com requintes de barbárie. Jovens quadros como o Mário Rui ou o Armando, que deixaram uma boa posição em Portugal para participarem na construção da sua pátria, militantes anónimos com os quais me cruzei por diversas vezes em missões de apoio logístico ao Movimento, figuras mais conhecidas como o Rui Ramos, da OCA, com quem cheguei a ter, em Luanda, uma reunião vigiada já por agentes da DISA. Sei que, para todas as partes, era aquele um tempo de radicalidade. Eu próprio não era, na altura, propriamente um sujeito razoável. Mas sempre achei que existe um limite moral para o extremismo. E esse limite foi largamente ultrapassado por pessoas como Pepetela, Manuel Rui Monteiro, Luandino Vieira ou Rui Mingas, membros da «Comissão das Lágrimas», que continuam a passear-se por aí, a serem premiados ou apaparicados, com a condescendência de muitos intelectuais portugueses, companheiros seus dos tempos do «reviralho» para quem não passam de uns «gajos porreiros». Seja qual for a posição política que cada um deles possa hoje ter, o grau de culpa que possam ou não sentir, o hábito de eremita que possam até arrastar consigo, aquilo que fizeram jamais será esquecido e dificilmente poderá ser perdoado. Também por isso este livro se torna importante.