Dentro do grupo dos fumadores, faço parte de uma minoria que vai ser especialmente oprimida a partir do dia 1 de Janeiro. Acontece que gosto de fumar mas não sou viciado em tabaco: fumo apenas enquanto leio ou escrevo, no final de uma refeição mais forte ou demorada, em alturas sociais como jantares de amigos, aniversários, casamentos ou funerais. Além disso, pergunto sempre se incomodo antes de acender o cigarro, a cigarrilha ou um ocasional charuto, e jamais o faço em reuniões ou salas-de-espera, ou perto de crianças e de idosos não-fumadores. Depois não «travo o fumo», não o engulo, saboreio-o simplesmente, expelindo-o devagar e, por vezes, limpando com as mãos a nuvem que se forma. Um maço dá-me assim, à vontade, para três ou quatro dias. Na verdade fumo «culturalmente», levado, como acontece com todos os que fazem parte desta minoria, apenas pelo gosto genuíno de fumar e pela memória preservada do gesto. Parece-me assim injusto – além da nada razoável – que um hábito educado e pacífico passe a ser tomado como novo «pecado do vício solitário», execrado pelos moralistas de turno. Mas não me espantarei se estes vierem dizer-nos que provoca a cegueira, causa a impotência e conduz ao inferno.