O mulato O.

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Utilizado no português, de acordo com o Houaiss, pelo menos desde 1557, o substantivo e adjectivo mulato aplica-se àquele «que é filho de pai branco e de mãe preta (ou vice-versa)», «que apresenta traços das raças negra e branca», ou que possui uma visível «cor parda, acastanhada». Omnipresente nos territórios colonizados pelos europeus, o tipo encontra-se hoje em expansão numa Europa crescentemente multiétnica e miscigenada. Mas a designação, historicamente recorrente no léxico da lusofonia, é hoje muito menos utilizada do que o era há vinte ou trinta anos atrás. Pelas razões mais diversas. Por um lado, a decadência do conceito de raça, actualmente trocado pelo de etnia, tem levado a que se evitem designações determinadas pelos traços físicos. Ao mesmo tempo, e apesar de valorizar a mestiçagem e a hibridez, a nova tradição pós-colonial tende frequentemente a escamotear o legado do colonizador, incluindo-se neste o seu contributo genético. Aliás, foi já nesta linha que, a partir dos tempos de definição do conceito de negritude e de constituição das correntes emancipalistas, uma parte das novas elites africanas começou a depreciar um pouco o lugar e o papel do mulato. A partir dos anos 50/60, a crítica do lusotropicalismo não deixou, também ela, de intervir neste processo.

Entre nós, porém, o eclipse parcial da palavra ficou a dever-se ainda à influência global do discurso dominante dos media americanos. Nos quais o conceito de negro possui uma amplitude que os falantes nativos do português até há bem pouco tempo praticamente excluíam. Por isso, para a América, o mulato Barack Obama é um negro. E é a partir da afirmação desta condição que tem definido o seu trajecto político e poderá vir a construir a sua vitória eleitoral. O que não podemos senão compreender. Mas já me parece um sintoma de passividade perante a aculturação que os meios de comunicação europeus, e muito em especial os portugueses, se lhe refiram sistematicamente como «negro». O que fizemos nós afinal, e em tão pouco tempo, da memória partilhada desse passado de trocas que produziu o mulato?

    Atualidade, Memória, Olhares.