Sai na próxima semana, nas suíças Éditions de l’Aube, Forget 68, o mais recente livro de Daniel Cohn-Bendit (ou antes, contendo uma entrevista a DC-B). Levantou-se de imediato um clamor sobre a «traição» do homem ao qual terá faltado «apenas a fibra moral e social para viver a sua vida, coerente com as suas ideias». Para os desamparados do Maio de 68, que do movimento não vislumbram os efeitos culturais no longo prazo que o «judeu alemão» actualmente enfatiza, mas sim a sua dimensão simbólica de momento maior da fase terminal das ortodoxias marxistas, é insuportável imaginá-lo sob outro retrato que não seja aquele que preenche o seu próprio imaginário, construído sobre um episódio exaltante agora com quarenta anos de idade.
Mas Cohn-Bendit é o primeiro a avisar, num dos passos do livro que o Nouvel Observateur acaba de divulgar, que o título Forget 68 «não quer dizer que esse passado esteja morto, mas que ele foi soterrado sobre quarenta toneladas de calçadas [pavés, disse Daniel] que, depois dele, transformaram e mudaram o mundo». Porém, «culturalmente ganhámos», pois considera, a meu ver justamente, muitas das práticas que as democracias naturalizaram – como sejam aquelas associadas à democracia participativa, aos progressos no papel social das mulheres, à valorização dos direitos das minorias, à dissolução do rigor das antigas hierarquias, ou à liberdade de ensino e à sua democratização -, como tendo resultado, em larga medida, da vitória de um «espírito de 68» que ultrapassou as datadas circunstâncias do seu nascimento. Elas estão inscritas nos hábitos das sociedades democráticas e delas participam hoje praticamente todas as correntes de opinião, retirando-se apenas deste panorama os ultraminoritários grupos da extrema-direita.
Só que essa vitória partilhada conduziu inevitavelmente a uma outra realidade, a um outro tempo, no qual as contradições e as causas já não são aquelas que, há quarenta anos atrás, mobilizaram pessoas como Daniel Cohn-Bendit e muitos milhares de jovens «socialistas libertários» como ele foi. Da mudança das causas e da real dimensão da «traição» do «infame» Dany – como gosta que o continuem a tratar – fala entretanto o discurso que este acaba de proferir na sessão do Parlamento Europeu sobre a atitude da UE em relação aos Jogos Olímpicos de Pequim e à questão do Tibete. O discurso pode ser visto e ouvido aqui, sob o título «Il faut foutre le bordel pendant les Jeux Olympiques à Pékin».
Como os 40 anos sobre o Maio de 68 estão aí, regressarei inevitavelmente ao tema. Entretanto já encomendei Forget 68.