Apontamentos do Maio – 6
Tropeço no fio que liga o computador à corrente e faço um gesto brusco, procurando equilibrar-me. Acabo por dar uma cotovelada no amontoado de papéis que atulha um dos lados da mesa de trabalho e caem-me ao chão, pesadamente, todos os suplementos, recortes, webpages impressas, livros e revistas sobre o Maio de 68 que tenho vindo a acumular. Alguns deles há anos, mas a maior parte deste material que me entretenho agora a apanhar do chão entrou cá em casa nas últimas semanas. Percebo assim, de repente, como esse pedaço do passado ao qual eles se referem regressou à minha vida, às nossas vidas, e como tem funcionado como um apelo da memória. Nada que me seja particularmente estranho nestes últimos tempos, pois tenho andado a falar destas coisas em aulas e seminários, tenho escrito um pouco sobre elas, e o mínimo que devo fazer é documentar-me sobre aquilo de que falo ou sobre o qual escrevo. Subitamente, porém, tomo consciência de que o que mais me interessa em toda esta overdose de informação e de opinião – grande parte dela com marcas geracionais diferentes mas bem nítidas – não é tanto o lembrar, o evocar, ou o descobrir «que reste-t-il» do Maio francês e para que nos serviu ele afinal. É antes, e será sobretudo, entender o modo como, enquanto representações das quais nos apropriamos, as suas múltiplas e discordantes leituras – mesmo aquelas que se esforçam por parecerem desprendidas, ou condescendentes – intersectam com estrondo a melodia do mundo. Aqui e agora, como dizia o outro.