Sempre insinuada nestas alturas, parece-me obtusa e petulante a fantasia de que quanto pior correrem as coisas à selecção portuguesa de futebol tanto melhor a nossa vida colectiva progredirá. Menos distraídos, passaremos então a interessar-nos pelos temas que realmente importam, como a leitura, a política, a produção de couve-lombarda e a ginástica rítmica. Mas não é por não colaborar nesse pranto inútil que diluo, em centenas horas de sofá a ver a Sport-TV, o sentido crítico que me esforço por manter.
A verdade é que, como muitos outros compatriotas, gosto tanto de futebol quanto sinto uma profunda aversão pelo meio em si. E também me aflige a obsessão mediática pela unha encravada do Cristiano, pela flatulência do Deco, pela Playsation do filho do Simão ou pela simpática e trabalhadeira prometida do jovem Rui Patrício. Incomodam-me, realmente, os «egrégios avós» berrados por pessoas que não sabem o que possa ser tal coisa. Mas não é por isso que deixo de saborear a arte em si, e que me recusarei a vibrar, espero, com as vitórias alpinas da nossa selecção. Ou deixarei de ficar bastante deprimido com uma eliminação precoce. Como o amor e o ódio, o gosto pelo futebol exige de nós a melhor dose possível de irracionalidade. E é aí que está o gozo todo.