Seria um trabalho demorado, fastidioso e provavelmente inglório tentar decifrar junto de muitos militantes do PCP as razões pelas quais a restante esquerda rejeita colaborar com eles ou então o faz com as maiores cautelas. São anos e anos, muitas décadas, quase um século, de afastamentos, de incompreensões e de combates pela hegemonia. E repare-se que não me estou a referir à rejeição de uma esquerda mais um menos radical por parte do partido, mas sim ao seu contrário: a recusa por parte da autoproclamada «esquerda da esquerda» ou da «esquerda democrática» em chamar a si pessoas, comunistas, que, tanto pelo seu passado quanto por algumas das causas que incorporam, até seria natural que aproximassem de alguns dos seus objectivos. As dificuldades aumentam, aliás, quando começamos a descer o nível geracional das partes envolvidas: salvo raras e caquécticas excepções, os comunistas mais velhos são pessoas a quem a vida foi ensinando a combinar as convicções mais ou menos inflexíveis que detêm com algum sentido prático no relacionamento com os seus hipotéticos compagnons de route. Mas quando descemos um pouco no tal declive geracional, a prática resvala quase sempre para a impossibilidade total do diálogo político e de uma aproximação no terreno. Basta seguir-se, no limite, o discurso de alguns blogues da autoria de jovens comunistas onde se sucedem textos povoados de chavões longevos e de inamovíveis declarações de princípios, de proclamações de ódio a quem possa contestar as suas convicções, explicadas muitas das vezes com base num indigente arsenal dogmático confinado a citações de Lenine.
Um bom exemplo desta incapacidade de adequação e de diálogo pode, porém, ser encontrado em pessoas cuja experiência poderia significar outra ponderação da realidade. Num texto completamente rancoroso ao qual cheguei através de um post publicado por João Tunes, uma jornalista responsável pelo Avante online aplica-se a abordar o comício «unitário» do Teatro da Trindade – abaixo mencionado, como se terá percebido, sem qualquer entusiasmo da minha parte – referindo-se a uma «esquerda alegre», ou a uma «esquerda em festa», como qualificativos destinados a menorizar sectores com os quais os comunistas deveriam procurar conviver, e que, no seu todo, até representam hoje um universo eleitoral provavelmente mais alargado que o do próprio PCP. Eles recordam-me epítetos rigorosamente iguais, velhos de quarenta anos, utilizados no passado para designar os esquerdistas, ou os «esquerdalhos», que ensaiavam vias próprias de combate à ordem estabelecida. Na austeridade do espírito de seita que os seus cultores mantêm, na sisudez da uma atitude rigorista perante a política e perante a vida que procuram afirmar, na fé simplista e sofredora do seu credo escatológico, são incapazes de perceber uma coisa tão simples como o lugar central da dimensão festiva (e não apenas o «da Festa do Avante!») na mobilização para a vida colectiva e para a política das novas gerações e dos agora decisivos sectores intermédios da sociedade. E continuam a considerá-lo um atestado de menoridade política ou de degradação ideológica. Não querem saber de uma das principais (ou das poucas, consoante a perspectiva) lições do Maio de 68, que continua a entrar-lhes por um ouvido e a sair-lhes pelo outro, deixando de permeio apenas a incompreensão e a animosidade. Não é coisa da qual devamos rir-nos, aqui deste lado um pouco menos sectário e um pouco mais «festivo» da vida.