Publicado originalmente em Os Livros Ardem Mal
Este título não me foi sugerido pelo bolero clássico de Alberto Dominguez, que todos em algum momento trauteámos ou ouvimos ao sintonizar uma rádio regional. A palavra avalia aqui o próprio post, como sinónimo de insídia ou de infâmia, e isto sabemos bem o que é: a sugestão de algo do qual suspeitamos, que aparentemente adivinhamos, mas do qual falamos de um modo impressivo e sem qualquer espécie de prova.
De cada vez que entro numa livraria encontro mais e mais ficção em português, quase toda ela próxima do romance histórico ou contendo uma óbvia componente autobiográfica. Transbordam os escaparates-placard, as estantes já não chegam, rimas de volumes por debaixo das mesas, os empregados incapazes de memorizarem títulos que identificam, quanto muito, pelas capas coloridas. Independentemente da medida da originalidade ou dos atributos literários – que diferem bastante mas podemos situar numa faixa média-baixa, próxima dos gostos da nova camada de viciados em literatura de hipermercado – aquilo que mais surpreende não é o número assombroso dos títulos, mas sim o dos autores. Ainda que muitos deles o sejam de um livro só. Mais estranho ainda é que a maioria seja gente crescida, em regra com uma vida já razoavelmente larga, mas que antes daquele título não publicou o quer que seja, e seja em que género for, com um mínimo de relevo e de consistência. Pelo menos algo que não seja uma edição de autor para oferecer à madrinha e impingir aos amigos, e possa constar das bases de dados das bibliotecas. Uma dúvida que me parece legítima perante tal acesso de súbita criatividade em tanta gente ao mesmo tempo, é a seguinte: não estará a profissão de ghostwriter em fulgurante ascensão entre nós? Outra dúvida é: não terá aumentado o número de editoras que publica livros com um financiamento muito substancial da parte dos próprios autores?
Apenas perfídia. Peço desculpa, com licença e obrigado.