Miguel Portas não diz nada de singular na entrevista que concedeu à revista Visão desta semana. Mas certas vezes é isso mesmo que gostamos de ouvir: apenas o relembrar de temas que nos preocupam há muito mas que, sob o ruído dos nossos próprios passos, cansados pelas urgências que nos desviam do essencial, tendemos, se não a esquecer, pelo menos a colocar entre parêntesis. Gostei de o ouvir recordar que existe, no comunismo, «uma dimensão de crença que se mistura com esperança». E também de sublinhar a sua estrutura religiosa – no sentido mais completo que a expressão pode tomar, como adequação a um sistema relativamente fixo de pensamento, incorporando liturgias e tradições – que o relaciona, por vezes, com «uma estrutura hierárquica» e com um conjunto venerando «de ritos e práticas que consagram a própria doutrina». Gostei ainda de o ver rememorar a inevitabilidade da tendência que esta assume para transformar «deuses pagãos em santos» e para ter os seus próprios sacerdotes. Mas também para se alinhar numa «história muito antiga de luta contra as injustiças» que, essa, é imortal. E que, enquanto tal, à margem dos oficiantes e dos fiéis que a todo o instante a desviam ou pervertem, sempre nos transcenderá. O que hoje pouco tem a ver com Marx, e menos ainda com Lenine ou os seus discípulos, que serão apenas marcos milenares, apenas notáveis acidentes de percurso.