O louco da aldeia representa sempre um duplo papel: funciona como divertimento daqueles que são incapazes de escapar às rígidas normas da vida comunitária e descodifica a realidade através de metáforas inusitadas e enigmáticas. Aquilo que diz raramente faz sentido, mas é sempre escutado. São esses os sinais da diferença que o tornam ao mesmo tempo relevante e rejeitado. Suspeito que em sociedades mais complexas ele possa perder a importância primordial, dada a proliferação de códigos e de vozes. Porém, quando vejo na televisão o programa A Liga dos Últimos, perco a certeza de que a sua função originária se tenha tornado descartável.
A pretexto de uma ideia inicial curiosa – encontrar e mostrar a alma das piores equipas do futebol federado – passou a organizar-se ali uma espécie de vitrina nacional para pessoas dementes, bêbedos incorrigíveis, mulheres subjugadas, idosos senis e pobres diabos. Pessoas sem dinheiro, sem poder, sem instrução, de roupa disforme e dentes invariavelmente estragados, que, de tão contentes por defenderem o clube da sua terra e de por uma vez sem exemplo lhes ser dada voz, se deixam humilhar diante de todos. Uma iniciativa indigna que nos deveria encher a todos de pena e de tristeza. Mas que a estação «pública» passa sem remorso – e com a exibição de um ar de obsceno gozo da parte dos apresentadores – no horário nobre das sextas à noite.