«Se o inimigo deixa uma porta aberta, devemos precipitar-nos sobre ela», escreveu Sun Tzu. Como escreveu também: «Aquele que prepara a vitória sobre os seus inimigos triunfa antes que as ameaças destes se concretizem». Anotar analogias entre certas proposições de A Arte da Guerra e alguns dos princípios da boa gestão empresarial é coisa que entrou já no domínio da trivialidade. O que terá sido meio caminho para a sua inclusão, em listas de livros recomendados por certas revistas femininas, como a prenda ideal para o marido ou o namorado que se deseja homem de sucesso. Ainda assim, não deixa de me parecer um tanto extravagante a inserção deste título, numa loja da FNAC, na secção «Apoio a Gestores». Embora admita que sendo esta uma das leituras favoritas de Tony Soprano alguma razão assista a quem tomou a decisão.
Sei que tem sido recorrente a referência neste blogue a certos padrões de arrumação seguidos em muitas livrarias. Pode parecer um capricho. Mas a razão desta preocupação é bem simples: ela não me parece derivar apenas da insciência das pessoas que gerem as lojas ou da distracção de alguns dos seus empregados, mas antes resultar de uma transferência deliberada dos critérios da disposição dos títulos dos livros dos seus conteúdos para aquela que será a «imagem social» dos mesmos. Aliás, também já dei por livros deslocados da sua secção natural por força da concepção da capa.
Um episódio suplementar. Pelos inícios de 1976 estava à boleia numa das saídas do Porto, a caminho do sul, quando parou um carro de elevada cilindrada dirigido por um cavalheiro que se ofereceu para me levar e que durante a viagem se apresentou como «empresário da indústria do algodão». A revolução tinha chegado ao fim e, apesar da «democrática» boleia a desconhecidos ainda ter subsistido por mais alguns anos, pessoas como aquela podiam já dar largas ao ódio mortal por «esses comunas de m…» que tinham «dado cabo disto tudo». Foi esse o padrão de conversa que tive de aturar. No banco de trás do automóvel, um livro que o cidadão ia começar a ler e, segundo dizia, esperava pudesse ser para ele de grande utilidade: Como Iludir o Povo, de Lenine, numa edição da Centelha (da qual, por acaso, conservo um exemplar).