Assisti ontem, no final do telejornal da SIC, a uma reportagem tristíssima e revoltante. Tratava de execuções judiciais por dívidas – não sei se é esta a designação técnica correcta, nem isso agora importa – e mostrava situações autênticas, nas quais a câmara acompanhava a entrada dos executores e da polícia na casa das pessoas que naquele preciso momento iam ser despejadas, iam ver bem arrestados, ou eram intimadas a pagarem num prazo curtíssimo as dívidas que se percebia jamais poderem resolver. Mulheres abandonadas pelos companheiros que as tinham deixado com os filhos e com os calotes, homens desempregados, deprimidos e envergonhados, pessoas idosas, doentes e marginalizadas que mal sabiam ler as notificações que tinham recebido e se viam confrontadas com a imposição sem recurso possível «das ordens do meritíssimo juiz». Um dos intervenientes descreveu mesmo uma situação na qual não existiam sequer bens para arrestar, pois a casa já não tinha móveis e a família visada dormia no chão. Bem sei, como dizia do alto do seu diploma provavelmente emoldurado um dos advogados dos credores, que aquelas pessoas «usufruíram sem se queixarem de bens que não pagaram na totalidade», mas não deixa de ser impressionante a insensibilidade da lei perante casos nos quais a pena ignora as voltas da vida de cada um e é, por vezes, claramente desproporcionada em relação à consciência que o presumível criminoso tem do dolo cometido. Não poderá existir, para estas pessoas sem saída, para casos humanos tão pungentes, outro acompanhamento que não seja aquele prestado pelos funcionários judiciais e pela polícia armados de folhas de papel timbrado e de cassetete?