Ao contrário daquilo que determinados portugueses afirmam e muitos mais possam pensar, não é exclusivo seu o dizerem mal de si próprios. Mas está-lhes na massa do sangue, como de alguma forma o procura demonstrar Portugal Traduzido – Abecedário de Reflexões (Zaina Editores), de John Wolf, um americano (verdadeiro?) integrado na cultura local há cerca de vinte anos. Escrito de uma maneira singular – com o timbre de uma espécie de sotaque sintáctico -, e sempre com muita ironia à mistura, ele é identificado pelo autor como um «manual de observação da realidade organizado alfabeticamente», no qual se procurou mapear com leveza e humor «a condição portuguesa» e algumas das suas práticas mais peculiares. Ao mesmo tempo, Wolf procura oferecer algumas soluções que possibilitem a superação de alguns dos atavismos que foi anotando. Refere, por exemplo, que «a excessiva promiscuidade da sociedade das artes e letras conduz a quadros de chantagem intelectual», para logo adiante sugerir a disseminação da prática do brainstorming. Ou brada contra os tradicionais jantares de solidariedade, «imagem confessada das teias da dependência», para depois aconselhar a não-banalização da verdadeira amizade. A brincar ou com um pouco mais de circunspecção, Wolf vai dizendo algumas verdades que talvez valha a pena escutar e que nós próprios quase sempre esquecemos porque as naturalizámos.
Embora num outro formato, também na LER No. 74