Durante um jogo da Liga portuguesa, dizia há dias um comentador referindo-se a dois futebolistas brasileiros: «eles entendem-se pois falam ambos brasileiro». A língua é uma, embora não una, e a rapidez da compreensão nem sempre é fácil sem retroversão automática e gestos à mistura. Dentro do Brasil, dentro de Portugal, ou num voo que desça o mapa na direcção do Atlântico Sul. E tudo se enreda quando, com a língua que repartimos, cada um se refere à mesma coisa enunciando palavras que não coincidem. Leio de maneira diversa, consoante traduzo ou não a tradução de um título que a frase incorpora, duas linhas de Rakushisha, o último romance de Adriana Lisboa: «Um dos filmes era O Poderoso Chefão. Haruki começou a assistir, era a quarta ou quinta vez que assistia àquele filme.» Ou, ajusto eu as palavras, desfigurando a autoria: «Um dos filmes era O Padrinho. Haruki começou a assistir, era a quarta ou quinta vez que assistia àquele filme.» Não se trata apenas de duas frases brandamente diferentes, são duas distintas Haruki que se nos afiguram, dois sentidos para o enredo que se separam. Desentendemo-nos por vezes, falando em português.