Um número cada vez maior de portugueses, gente pacífica e de bem que apenas quer viver a sua vida, tem sido perseguido nos últimos tempos, no recato dos lares como nas profundezas dos bolsos das calças, por telefonemas e mensagens de SMS destinadas a vender toda a espécie de produtos. Com a cumplicidade dos fornecedores de serviços de telecomunicações, muitas das vezes eles próprios vendedores de «planos» maravilhosos, capazes de hipnotizarem os clientes e de deixarem a anos-luz as ofertas da concorrência.
Faço parte, no entanto, daqueles cidadãos, teimosos como Judas e nada colaborantes, que quanto mais apelos desta natureza recebem, menos vontade têm de aderir ao que lhes é pedido. Já desisti até de produtos que tinha decidido adquirir só porque, entretanto, o respectivo fornecedor passou a telefonar-me todos os dias, pelas seis da tarde, a tentar saber se eu já me tinha decidido a subscrevê-los. E se o não tinha feito, para me lembrar que existia ainda um outro serviço, de facto muito melhor, que por certo me traria a felicidade terrena. Para não falar de uma poupança significativa no final do mês. Pode ser que sim, mas como me incomodam, não levam nada, não quero o que me oferecem, não compro nem morto. Embora, admito, as manobras às quais me obrigam, vendo, ouvindo e lendo sucessivas mensagens que sou obrigado a receber, deixem na boca uma aguda vontade, perdoe-se-me a franqueza assassina, de meter no correio uma carta armadilhada destinada aos respectivos presidentes do conselho de administração.
Mas uma luz parece acender-se do outro lado do túnel: o governo de Madrid acaba de proibir o spam telefónico, anunciando pesadas penas para as empresas que recorram a ele. Ao mesmo tempo, obrigam essas mesmas empresas a pagar indemnizações nos casos em que os clientes vejam interrompidos, por quaisquer motivos, os serviços que de boa-fé contrataram. Outra situação que muitos portugueses conhecem muitíssimo bem. É em alturas como estas – São Nun’Álvares me perdoe – que me apetece ser espanhol.