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Pego no 18 de Brumário de Luís Bonaparte e regresso ao momento em que Marx procurou estigmatizar os partidários do futuro imperador: «Lado a lado com elegantes arruinados, de meios de fortuna duvidosos, aventureiros e bastardos, devassos da burguesia, encontravam-se vagabundos, soldados desmobilizados, ex-presidiários, antigos foragidos das galés, saltimbancos, chantagistas, desclassificados, carteiristas, trapaceiros, jogadores, gigolôs, donos de bordéis, carregadores, escrevinhadores, tocadores de realejo, trapeiros, amola-tesouras, mendigos, em suma, toda uma massa confusa, decomposta e flutuante, a que os franceses apelidam de boémia.» Não se poderia condenar com maior clareza todos aqueles que, recusando a marcha a passo cadenciado, preferiam viver fora dos caminhos convencionais.
Os tipos citados eram considerados mais ou menos próximos do lumpenproletariat, marginais tanto em relação à forma como Marx concebia os grupos capazes de uma posição historicamente revolucionária – por isso o estalinismo fez deles aquilo que se sabe –, como em relação ao dispositivo da ordem burguesa dominante. Actualmente, porém, as maneiras de ser e de pensar que foram qualificadas pelo filósofo alemão como confusas, flutuantes, decompostas, ou simplesmente aventureiras, são partilhadas por um conjunto alargado de marginalidades, transformaram-se algumas vezes em sociabilidades nómadas e instáveis mas com uma legitimidade própria, alternativa à dominante. Enquanto fontes de perturbação para o funcionamento previsível do sistema, podem afirmar-se como trincheiras de liberdade, territórios de resistência ao trabalho de normalização e controlo imposto pelo Estado e pela suprema ordem neoliberal.