Em solo nacional, três temas azedam facilmente qualquer debate, despertando impulsos primitivos que cegam cidadãos exemplares e assanham pessoas dadas à reflexão: comunismo, religião e futebol (já que o fado perdeu músculo). Os dois primeiros têm sido aqui recorrentemente invocados, mas de futebol não tenho falado. Chegou agora a vez de tocar no assunto, mesmo correndo o risco de despertar o hooligan escondido que habita dentro de um ou outro leitor.
A despesa com a compra de jogadores por parte das maiores equipas é, nas circunstâncias da vida do país e atendendo à dimensão financeira dos clubes, qualquer coisa de obsceno. Ainda assim, nos tempos mais recentes, Porto e Sporting têm mostrado um comportamento despesista aparentemente controlado: o primeiro, por causa dos sucessos desportivos e porque gasta menos com os jogadores que compra do que com aqueles que vende; o segundo, porque tem mantido uma política de aquisições relativamente moderada. Já o mesmo não se passa, todavia, com o Benfica, que todos os anos compra uma dúzia de futebolistas bastante caros, cedendo-os no ano seguinte por valores inferiores. Talvez seja preciso recordar aos mais distraídos que as receitas desportivas do «clube da águia», frequentemente fora da Liga dos Campeões, têm sido inferiores às dos outros dois, apesar de ter ainda o maior número de adeptos. Entretanto, só neste início de época já gastou mais de 23 milhões de Euros, prometendo outras compras para os próximos dias.
Nada disto incomodaria particularmente se não fossem duas situações objectivas. Desde logo o facto de o Benfica (como os outros, aliás) continuar a dever muito dinheiro ao fisco, e de a insolvência total ser algo de materialmente possível. Só que no dia em que isso estiver para acontecer, governo algum aceitará a falência técnica do clube, pois tal reduziria metade da população a um intolerável estado depressivo e fá-lo-ia perder as eleições seguintes. Serão então os cidadãos contribuintes, azuis, verdes, encarnados e de todas as cores, incluindo ainda todos aqueles que detestam futebol, a pagar facturas e hipotecas.
A segunda situação é, no fundo, uma constatação: governante algum se deu ao trabalho de, pelo menos, apelar publicamente ao comedimento dos gastos e à necessidade de se pagar o devido ao erário público. Não sei porquê, tenho a impressão de que o esquecimento tem alguma coisa a ver com a proximidade de uma ida a votos e de ser preciso, da parte de quem deseje ardentemente conquistar a maioria dos eleitores, um certo cuidado com as causas fracturantes.