Oskar Werner e Julie Christie em Fahrenheit 451 (1966)
Conversando com uma jornalista espanhola a propósito da edição de Ahora y Siempre (Now and Forever, um compilação de short stories publicada originalmente em 2007), Ray Bradbury, que aos 89 continua a escrever e a publicar, mostra-se o homem conservador que sempre foi. Particularmente quando lhe falam da actualidade e do futuro do livro. Aí irrita-se visivelmente, exalta-se mesmo, perde com facilidade a compostura. Perante a Internet, o autor de Fahrenheit 451, o romance distópico que hiperboliza o valor do livro, da sua imortalidade e da sua capacidade para transformar o mundo, subverte mesmo o seu antigo horror à destruição da palavra escrita pelo fogo: «Que queimem a rede em vez de queimarem livros!». Diante da revolução do e-book: «Isso não são livros. Os livros apenas têm dois cheiros: o do livro novo, que é bom, e o do livro usado, que ainda é melhor.» Face à possibilidade do fim das bibliotecas tal qual as conhecemos: «Não permitirem que acabem com elas, nem que tenha de me meter lá dentro para evitá-lo.» É pungente, sobretudo para quem partilha com Bradbury o amor profundo pelos livros em papel, pelas bibliotecas imensas e odoríferas, com os seus recantos únicos, obscuros e misteriosos, acompanhar tal defesa de um mundo transitório que, mais coisa, menos coisa, daqui por uma década não passará de território reservado a cientistas e iniciados. E, para a maioria das pessoas, de vestígio de um passado remoto que outras gentes edificaram.