Bom princípio, péssimo sintoma

Conversa

O surgimento de blogues como o Simplex e o Jamais, reunindo pessoas dispostas a intervir no processo eleitoral apoiando o PS ou o PSD, foi de início uma boa notícia para a democracia. Anunciava o reconhecimento partidário, ainda que informal, da importância de um território de opinião e de informação cada vez mais frequentado, capaz de crescer na exacta medida em que os meios de propaganda tradicionais, como o comício, a arruada, ou mesmo o debate televisivo e radiofónico, se tornaram cada vez menos sedutores. O esforço dirigia-se então àquela parte do eleitorado, aparentemente em crescimento, que lê blogues de opinião (ou simplesmente «que lê»), não se limita a profissões-de-fé e detesta o ruído dos altifalantes e dos zé-pereiras. A quem não precisa ouvir aquilo que nada acrescenta ao que já conhece. Mas o tom e o conteúdo de quase todas as intervenções apresentadas nestes dois espaços parecem-me incongruentes na relação com esse objectivo. Com excepções, a maioria das participações sucede-se num registo de petit politique, do mero panegírico ou da cega depreciação, da trica, do «ele disse»/«ela não escreveu», próprio na aparência de «irmãos inimigos» separados questões de águas, que não me parece possa convencer quem não se encontre já convencido. Que nada acrescenta a quem, de facto, procura uma motivação racional, e a percepção de um rumo e de factores de esperança, para se decidir a desenhar uma cruz neste ou naquele quadrado do boletim de voto.

O caso do Jamais diz-me pouco, pois este situa-se num campo que não é o meu, mas já não se passa o mesmo com o Simplex, uma vez que este pretende, pelo menos em parte, dirigir-se ao «eleitor de esquerda», e alguns dos seus colaboradores estiveram já, e por certo um dia voltarão a estar, do mesmo lado da barricada que eu (embora saiba que não apreciarão muito o próprio conceito de «barricada»). Aqui, admito que o tom geral me incomoda um tanto, uma vez que nada soma ao autocomplacente discurso partidário oficial e revela um lado, por vezes perigosamente agressivo ou próximo do primário, para mim até agora desconhecido, de pessoas que estimo e por cujo trabalho e inteligência tenho apreço. Em vez de agregarem capacidade crítica e de questionamento dos inegáveis bloqueios partidários, abrindo-se ao diálogo e alargando a capacidade de convencimento, a maioria dos participantes tem-se cingido a repetir ad nauseam séries de banalidades – em alguns casos, aconteceu já, chegou-se mesmo à enormidade – que não servem literalmente para nada. A não ser para uma afirmação pública, aos olhos do próprio grupo político e dos seus apoiantes, das certezas de quem escreve. Não me atrevo, como houve já quem o fizesse, a dizer que a motivação desta ou daquela pessoa seja a previsão de futuras prebendas governamentais. Não acredito que isso se passe com a maioria – embora obviamente não possa colocar as mãos no lume por todos –, pelo que a explicação do espectáculo diário ao qual tenho assistido se me torna difícil de entender. Só sei que aquilo que começou por ser a aplicação de um bom princípio se transformou num preocupante sintoma de dificuldade, ou de ausência de vontade, para repensar o repensável. Vindo de quem vem, não pressagia nada de bom para depois do 27 de Setembro.

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