De quando em vez, sem o desejarmos, somos injustos até para pessoas que não conhecemos. Uma das injustiças que tenho feito a algumas consiste em considerá-las mortas quando afinal se conservam entre nós e no uso das suas faculdades. Ainda há pouco, numa conversa, «matei» Claude Lévi-Strauss, afinal vivo e activo com 101 anos. Passou-se agora a mesma coisa com Ernst Nolte, o controverso historiador alemão conhecido, principalmente nos anos oitenta, pela polémica interpretação do nazismo como uma reacção inevitável, e de certa forma compreensível, aceitável até, à ascensão do comunismo. Sugeria mesmo o «assassinato por razões de raça», perpetrado por Hitler, como uma resposta ao «assassinato por razões de classe» projectado universalmente pelos bolcheviques. A altercação pública a propósito do tema que manteve então com François Furet apenas fez com que essa explicação ganhasse uma maior visibilidade.
Pois Nolte – que eu já «enterrara» e afinal não passou ainda dos 86 – volta agora à arena, em Die Dritte Radikale Widerstandsbewegung: Der Islamismus, já de 2009, com uma teoria nova e não menos controversa. Procura desta vez explicar a irrupção do islamismo radical como algo de «justificável», de «compreensível», surgido como expressão da resistência à presença e à envergadura do Estado de Israel. Num raciocínio marcado por um antisemitismo redivivo à medida do nosso tempo, chega ao ponto de considerar como «percursor corajoso do combate palestiniano» a Mohammed Amin a-Husseini, o mufti de Jerusalém que em 1942, aos gritos de «Matem-nos a todos!», apelou em Berlim a uma jihad contra os judeus, apoiando a «solução final» proposta pelos nazis e colaborando mesmo na organização de uma divisão das Waffen-SS composta por muçulmanos bósnios. O islamismo será então, para Nolte, uma «ideologia muçulmana defensiva» face a um Israel colonial e imperialista. Interessante, como resultado do seu raciocínio tortuoso, é a aproximação do nazismo ao islamismo como movimentos político-culturais legítimos irmanados pela sua oposição a um «mal maior». Veremos agora que eco terá esta leitura entre aqueles que condenam Israel sem olharem à complexidade dos trajectos históricos e à realidade objectiva que moldaram e moldam a sua existência. Que eco terá dentro do universo islâmico também. Ahmadinejad aplaudirá com toda a certeza.