Azares da morte

Pacheco

Era de esperar. Luiz Pacheco foi-se embora e logo tombaram as evocações dos que gostavam realmente de o ler e se sentiam cúmplices, ou mesmo um pouco invejosos, de todo aquele desalinho. Mas começaram também a chover os panegíricos de quem rapidamente tratou de fazê-lo passar à condição de «excelente pessoa». Só que não o era, não: como se sabe, o Pacheco foi toda a vida uma peste, um tipo intratável, pouco fiável, machista e ainda por cima um grande crava, embora isso em nada lhe tenha diminuído o talento e espatifado a valia do que foi escrevendo ou editando. Foi também «homem de coragem», é verdade, mas com a mais linear das coragens, que é a de quem pouco ou nada tem a perder com as consequências dos seus actos. De qualquer maneira, agora que ele já não chateia com um aparte de gozo ou um gesto inconveniente, ainda bem que existe quem trate de recordá-lo. E antes ligeiramente tarde do que nunca. O que já faz uma certa impressão é que se lhe tenham leiloado tão depressa a papelada e os pertences por uma pipa de massa. Se existir céu ou inferno – como nunca foi gajo de meias-tintas, pelo menos num deles terá um quartinho alugado – quando lhe deram a notícia provavelmente murmurou qualquer coisa sobre «o jeito que me tinha feito lá em baixo todo esse carcanhol». Azares da morte, ó Luiz.

    Etc..